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Confiante, Estrela do Terceiro Milênio revela detalhes do enredo sobre Paulo César Pinheiro

No último sábado (21 de junho), a Estrela do Terceiro Milênio revelou, por meio das redes sociais da escola, qual será o enredo para o carnaval 2026. Intitulado “Hoje a poesia vem ao nosso encontro: Paulo César Pinheiro, uma viagem pela vida e obra do poeta das canções” e assinado por Murilo Lobo, a apresentação já se avizinhava como uma grande homenagem a um dos maiores compositores da história da Música Popular Brasileira. O CARNAVALESCO esteve presente na explicação do enredo para os compositores específicos em entrar na eliminatória de sambas-enredo da agremiação na última terça-feira (24 de junho) e conversou com alguns nomes importantes para a produção do desfile de 2026 da escola do Grajaú.

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A fagulha de inspiração

Toda ideia tem um início, algo que aconteceu para que ela pudesse ser avaliada internamente – e, uma vez aprovada, desenvolvida. De acordo com Murilo, o início do enredo sobre o compositor veio com o que não deixa de ser uma homenagem pessoal: ao ouvir uma canção idealizada por ele: “Essa história é bem curiosa. Eu estava ouvindo ‘As Forças da Natureza’, e eu, prestando atenção na letra, Pensei que essa música é um enredo por si só. Ao ver a composição, vi que era uma música do João Nogueira e do Paulo César Pinheiro. Construi um pouquinho mais sobre o Paulo César Pinheiro e comecei a aprofundar a pesquisa, comecei a ver tudo que ele tinha composto e fiquei muito encantado Me perguntou como eu não sabia que ele tinha escrito tudo isso”, relatou.

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Carnavalesco Murilo Lobo

Ao longo da explicação, aliás, Murilo apresentou um vídeo produzido com diversas músicas que foram compostas pelo artista – que foi palmilhada com alguns fatos marcantes da vida de Paulo César Pinheiro. Focando no carnaval, ele compôs, juntamente com Mauro Duarte, “Portela na Avenida” – que, mais que sucesso, tornou-se um hino da azul e branca de Madureira na voz de Clara Nunes. Ele também compôs, ao lado de João Nogueira, os primeiros cinco sambas-enredo da história da Tradição – e, com eles, a agremiação de Campinho saiu do quarto pelotão no carnaval carioca até chegar, pela primeira vez, ao Grupo Especial. Foi com o mesmo João Nogueira com quem ele compôs “Espelho”, dos grandes sucessos da carreira, e outras tantas canções. Existem, também, parcerias com outros e outras grandes sambistas – como Beth Carvalho e dona Ivone Lara. Também foi apresentada uma bibliografia utilizada pelo carnavalesco para construir o enredo.

Confecção

Depois do primeiro contato com a ideia e com ela já desenvolvida e explicada, Murilo começou a destacar, em entrevista, quais eram as informações prévias que ele tinha do que, à época, poderia ser homenageado: “Eu lembrava que ele era casado com a Clara Nunes, mas e além disso? Tem toda uma história além disso. Ele se casou e ficou durante oito anos com a Clara Nunes, mas ele tem setenta e poucos anos. Ele se casou com a Luciana depois e tem tem quarenta anos de um casamento. Tem filhos músicos! Tem muitos parceiros incríveis. Vendo tudo isso, percebi que era um enredo. Isso aqui é uma pérola: traga esse cara, à luz do destaque, que ele precisa ter como o Rio de Janeiro não fez isso antes”, explicou.

O carnavalesco da agremiação do Grajaú aproveitou para exaltar o poeta: “Talvez, vivo, seja o grande nome como compositor brasileiro, com uma obra gigantesca. O mais interessante é que a história é bonita, também. A abertura da escola, com esse encontro dele com a poesia, é muito mágico. O cara, com 13 anos, fornecendo a valsa ‘Viagem’. É muito lindo. Tudo que vai acontecer na vida dele, ele se coloca à disposição do trabalho árduo da criação, é lindo. Ele diz que se senta todo dia numa mesa, põe uma folha em branco e espera a inspiração vir e se coloca a escrever. Por isso que a obra dele é gigante: são 2.400 canções, 1.200 gravações, livros, teatro.

Um pouco além

Além da óbvia homenagem a Paulo César Pinheiro, o carnavalesco destacou que também há espaço para que toda a aula seja homenageada: “A coisa mais gostosa era poder fazer esse link com os compositores: eu me toquei e falei que a gente não olha para os compositores. A gente sempre olha todos os intérpretes. A gente guarda as canções para os intérpretes. Eu realmente preciso fazer um enredo em homenagem aos compositores – na pessoa de uma, mas para compositor os intérpretes. Quero chamar a atenção das pessoas para isso”, detalhado.

Susto inicial

Se o enredo recebeu diversos elogios a partir do momento em que foi lançado, a diretoria da Estrela do Terceiro Milênio teve que ser convencida. Gilberto Rodrigues, o Giba, retornando ao posto de presidente da agremiação, resumiu e deu crédito para o carnavalesco: “Essa confusão é do Murilo! O Murilo gosta dessas confusões. Ele apresentou esse enredo e mais alguns para a gente. De imediato, não me chamou a atenção. Quem era ele? Busquei entender. E, no primeiro livro que eu peguei, nas três primeiras páginas que eu li, eu me encantei. Não é possível que esse cara tem mais de mil e duzentas músicas, compôs não sei com quem. A gente escuta tanta música, eu já chorei com tanta música desse cara e não sabia que era ele apaixonei na hora Não quero nem ver o enredo em si, mas vai ser esse aqui E eu acredito, tenho plena certeza que vai ser um grande carnaval.

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Gilberto Rodrigues, o Giba

A direção de carnaval teve fatos semelhantes: “Foi bem parecido com o que aconteceu com o presidente, de fato. Depois da primeira ocorrência, a gente começou a entender o enredo melhor. Hoje, a gente entende hoje que é um enredo espetacular. Tem muita história, tem muita música, mexe com a gente quando você começa a ouvir a musicalidade do Paulo César. Eu acho que a gente está indo para um caminho muito bom, um caminho correto e estamos bem felizes. Com essa explicação toda, com todo esse material, ficou melhor ainda”, comentou Carlos Pires, o Carlão, um dos diretores de carnaval da escola.

Carlão divide o posto com Devair Francisco, que teve uma primeira impressão mais positiva: “Eu também tive uma excelente acessibilidade do enredo. Até mesmo pela ideia do Murilo: fazer um tributo aos compositores. Ninguém é mais que correto para essa homenagem que a figura do Paulo César. A gente pegou essa ideia com muita propriedade. Para o enredo, o desenvolvimento dele que é o mais importante: não é apenas o título, mas sim o desenvolvimento dele e a forma que vai ser apresentado esse enredo na avenida”, afirmou.

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Carlos Pires, o Carlão, e Devair Francisco, diretores de carnaval

Aposta, não retorne

Em 2025, a Estrela do Terceiro Milênio desfilou com o enredo “ Muito além do Arco-Íris – Tire o Preconceito do caminho que nós vamos passar com o Amor ”, um manifesto contra a intolerância e valorizando homossexuais, transsexuais e outras minorias embarcadas na sigla LGBTQIA+.

Antes, entretanto, os enredos fizeram exaltações: mulheres, humor e Vovó Cici (esta última por meio do Mito da Criação contado por ela) foram as apresentações temáticas em 2022, 2023 e 2024, respectivamente.

Quando questionado pela reportagem se o desfile de 2026 será um retorno a tal característica, o carnavalesco deu uma nova visão: “Foi uma aposta vir com Paulo César Pinheiro, na verdade. Era preciso mostrar para eles que Paulo César Pinheiro estava na vida deles e eles não sabiam. Foi a primeira coisa diferente do que aconteceu com as outras questões que a gente trouxe. Eu gosto muito da Milênio pelo fato de a gente poder falar de coisas que nos tocam o coração. Nessa jornada, nesse tempo que eu estou aqui, que eu já da coruja, eu já falei da coragem, eu já falei da arte transformando a vida de um povo como é em Parintins, eu falei das mulheres, eu falei do Mito da Criação para falar sobre o preconceito religioso.

Grande desafio

A explicação para os compositores foi realizada de maneira bastante fluida, contando um pouco da vida do homenageado – e, também, mostrando um pouco do cancioneiro de quem é o tema do desfile. Apesar da facilidade de explicação, Murilo destacou que saber quais seriam os pontos envolvidos no desfile foi algo custoso: “Não, não foi fácil superar esse desafio. Deu muito trabalho! A biografia mais os livros que ele escreveu somavam mais de 700 páginas, com muitas coisas interessantes, com muitas vieses descobertas. Ele é um tipo de enredo que vai poder ser feito posteriormente no Rio de Janeiro, pegando outras coisas que eu não peguei também”, afirmou.

O profissional prossegue: “Tinham muitas coisas muito interessantes na vida dele e eu agrupei por essa viagem. Me chamou muita atenção essa capacidade dele de olhar o país, de olhar o povo do país, de olhar a cultura do país e de conseguir se expressar através dela como se do lugar fosse. Isso é muito lindo e muito raro de acontecer. As pessoas normalmente são regionalistas. Você compõe para aquele universo, dentro daquele tipo de ritmo. E ele é um cara que conseguiu abranger todo um país. Ele desenha, com a obra musical dele, os limites de um Brasil. Isso é maravilhoso. Eu quis falar sobre isso. Eu quis passar em partes importantes da vida, mas não só de uma forma cronológica, mas de uma forma que teve sentido, mas foi um trabalho insano fazer isso.

Próximos passos

Ao entrevistar Murilo, a reportagem teve acesso a uma informação importante em relação aos próximos dados envolvidos na escola: “A gente tem um planejamento diferente do que foi o do ano passado. O enredo LGBTQIA+ tinha uma questão de se proteger um pouco, de segurar um pouco a informação. Agora não é o caso. A gente está programando uma festa de pilotos e um grande show tributo em homenagem a ele – especificamente no mês de setembro, depois da grande final de samba-enredo. Essas primeiras devem ser as primeiras imagens do que vai ser o nosso carnaval, o pessoal vai começar a ver a partir daí. Eu já estou desenhando figurino, já estamos fazendo alegorias. Agora o trabalho vai para frente.

Carlão trouxe dados importantes para a comunidade ficar atenta: “A gente está finalizando o nosso cronograma. Em relação a samba-enredo, a final está programada para o dia 06 de setembro – que é um sábado. A gente começa agora, no começo de julho, a atender os compositores – são três rodadas de atendimento. Depois, a gente faz o nosso laboratório. A partir do dia 05 de agosto, da entrega o samba, a gente faz o nosso laboratório interno. Depois, tem quatro eliminatórias. Ou melhor: nós vamos fazer uma apresentação, uma grande roda de samba depois tem três apresentações e a final. A gente entende que esse tempo é um tempo suficiente para a gente conseguir entender bem o caminho que a gente quer chegar, com um bom samba, a gente provavelmente vai ter um evento de tributo ao Paulo César.

Rumo ao topo

Em 2025, a Estrela do Terceiro Milênio ficou na oitava colocação no Grupo Especial – melhor resultado no primeiro pelotão da história da escola. Nada mais natural que a agremiação busque, agora, subir alguns degraus – o que, automaticamente, significaria que a escola chegaria à metade superior da tabela do primeiro pelotão do carnaval paulistano.

Devair crê que é possível ir ainda mais longe: “Eu vou ser honesto: eu já tinha essa expectativa de chegarmos ao primeiro lugar, nesse último carnaval. Essa era a minha expectativa bem particular conversada com o meu parceiro na função. E eu acho que nós conseguimos, até certo ponto, cumprir isso. Foram apenas questões de detalhes os motivos pelos quais o objetivo não foi alcançado. Para o próximo carnaval, essa régua alta será sempre constante. Eu participo do carnaval sempre com esse objetivo, sempre com o objetivo de ser campeão. Eu tenho muita tipo quanto a isso, já consegui várias vitórias e não deixo cair sarrafo de jeito nenhum”, finalizou.

Lorena Maria é a nova musa da Unidos de Padre Miguel para o Carnaval 2026

A Unidos de Padre Miguel tem uma nova estrela em seu elenco para o Carnaval 2026. A influenciadora digital e empresária Lorena Maria foi anunciada como nova musa da escola e já promete conquistar o coração da comunidade e do público na Sapucaí. Conhecida por sua presença marcante nas redes sociais e por ser esposa do cantor MC Daniel, Lorena estreia no mundo do samba em grande estilo, aceitando o convite da presidente da escola, Lara Mara, para integrar o desfile oficial da vermelho e branco da Vila Vintém.

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Foto: Divulgação/UPM

“A chegada da Lorena é um presente para a nossa escola. Ela é carismática, talentosa e representa a força da mulher brasileira. Temos certeza de que será uma musa marcante e muito querida por toda a comunidade”, destacou Lara Mara.

Animada com o novo desafio, Lorena também compartilhou sua emoção com o momento:
“Estou muito feliz com essa novidade, lisonjeada demais por fazer parte da UPM e receber o convite da Lara Mara, exemplo e força de mulher. Estou muito ansiosa para os próximos passos! Vou me dedicar ao máximo e dar tudo de mim. Sou apaixonada pelo Carnaval, sempre foi um dos meus sonhos e metas. E a potência de representar tantas culturas do nosso país me deixa muito feliz mesmo. Muito obrigada pelo carinho e respeito”.

A musa fará sua estreia no desfile que trará o enredo “Kunhã-Eté: O Sopro Sagrado da Jurema”, que vai contar a história de Clara Camarão, heroína indígena potiguara que lutou com bravura contra a invasão holandesa durante o Brasil colonial. O enredo é assinado pelo carnavalesco Lucas Milato.

O Boi Vermelho da Zona Oeste segue firme em sua caminhada de volta ao Grupo Especial, apostando em um time forte, engajado e repleto de representatividade.

Sinopse do enredo da Unidos da Ponte para o Carnaval 2026

Enredo: “Tamborzão – O Rio é baile! O poder é black!”

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Logo do enredo da Ponte para o Carnaval 2026

O anoitecer

“A partir de agora, o baile vai começar…”

Com todo respeito, nosso mestre de cerimônias vai chegando para não deixar ninguém parado nessa jornada ritmada. Cria das batucadas, diretamente de São João, MC Meriti é o cara! É ele quem apresenta o nosso estilo e narra a história enraizada na cor, pulsante nas veias. “Pode chegar, pode chegar”, já anunciando que a regra é dançar.

Então, “liberta, DJ”!

A noite é o nosso palco. Quando a escuridão toma as ruas, quando a cidade se deita, nós fazemos festa. Plug-in na tomada, eis a nossa vinheta! Por aqui, “o som é acima do normal”! As quebradas são um reflexo do céu: são diversos astros, estrelas, cometas que brilham em forma de globo de espelhos enquanto se movimentam ao som do paredão. Nosso MC manda o papo que o subúrbio é luminoso, emana energia sagrada, carregada de axé. Quando o chão é riscado no beat, todos os nossos ancestrais riscam junto porque nosso tempo é como as curvas do quadril que se espirala ao ir e voltar. O tempo “desce, sobe, empina e rebola”!

Nos bailes, somos majestades! Defendemos tronos e coroas porque nosso povo é real desde a África. Nossa produção é sonora: cantamos e dançamos para existir, nosso corpo precisa pulsar, o movimento nos conecta ao extraordinário.

Nossos antepassados dançam ao som de tambores assim como nós, então não abrimos mão da música. E nosso ritmo negro incomoda!

Tá ligado quantas vezes já tentaram abafar nosso grito? Sempre tentaram nos parar, mas a gente amplifica a mensagem em speakers porque não deixamos de lutar. “Afronta, é guerra” desde o couro do tambor às fiações dos mixers!

Nossa festa é essa porque nossos ancestrais assim começaram: requebrando. E é no break que a gente eletriza a nossa negra filosofia. Bateria macumbeira em alta voltagem! Visão de cria em poesia marginal nas melodias da insurreição.

Nosso fundamento africano é combinado às batidas frenéticas de um tambor de garrafa, uma artesania distorcida e acelerada com vozes a 150 BPM.

Nosso sistema é do barulho porque nossos ancestrais são revolucionários.

Kizomba! O baile é a nossa constituição.

A madrugada

“Yeah, brother”! Alta madrugada e MC Meriti continua no comando, agitando o templo dos nossos compassos. Ressoa na pista a banda que faz você entrar em uma outra vibe! O toque dos atabaques rola na atividade para “que permaneça essa tranquilidade na comunidade”!

Com o microfone na mão, ele solta o verbo, fala cantando e canta falando, numa montagem misturada que define a estética. Nossa percussão é uma ponte do que a periferia foi e do que ela é, e todo baile é um inventário musical.

Nosso sistema tem contradições porque “tristeza e alegria aqui caminham lado a lado”, mas a gente só quer ser feliz e andar sossegado pelo complexo, “ô, ô”.

Nossa estrutura tem as vibrações da umbigada do lundu que aqui chegou e que nos leva nessa “dança sensual que faz geral descer”. Ai, ai, nosso procedimento tem a vida dos volteios buliçosos pra mexer com tudo mais, então continuamos maxixando pelos fandanguassus que acontecem nesse território. E quem não cai em trololó, trololó? “Wow”! E o MC vai avisando que a gente se sente “so good, so good”, porque nossa alma ultrapassa fronteiras e está interligada pelo Atlântico Negro.

Nosso cumprimento é uma ginga de mãos que mostra que o poder vem da nossa união. “Soul Black Power, porra!” é o grito que sai da garganta de Meriti. “Ha”! Nosso volt mix vem das batidas futuristas de Afrika Bambaataa, das frequências graves e sedutoras de uma eletro-voz capaz de arrepiar todas as notas do teclado. “Get up”!

De Áfricas e de Blacks, nosso Rio é negro da cor da noite desde as primeiras batucadas até ao máximo de watts de potência que ecoa pelas caixas de som. E na composição dessa identidade conduzida por nosso MC, a revoada é companheira de baile. Tá suave fluir, beijar e “amar como ama um black”! “Oh, yeah”! Nossa organização é coletiva para enaltecer a beleza negra, o orgulho estiloso, o cabelo que coroa e a roupa que ascende.

Nosso baile é um negro movimento pra comunidade que rala pesado a semana inteira para ter um pouco de diversão entre os seus. Nosso lazer é um ato político! Em clubes e agremiações, nossas equipes de som botam pra jambrar porque esse é o nosso mandamento.

O baile de Meriti, na quadra da nossa escola, segue para a mente ficar numa boa. As ondas que curtimos nas rodas reverberam os toca-discos e mixers de Cash Boxes e Furacões!

Nossa cultura circula como os giros de um disco de vinil em um Grand Prix, e o vencedor é o Black. É um “Tornado” de sensações! O “Dom” é atemporal!

O baile é a nossa paixão!

O amanhecer

“Vai voltar depois das horas” e nosso tempo sincopado vai no “pum-pá-pá-pum-pá”. Lá vem o sol e o calor tá de matar. MC Meriti manda aumentar o volume que só está começando: “tá pegando fogo, tá pegando fogo… mas que fogo gostoso”! O fogo é uma energia ancestral!

O baile segue sem hora pra acabar. Nosso set tem a luz, o calor, a cor e os movimentos das chamas fitadas na pele, na carne e nos ossos. Entre os corredores da galera, nosso corpo é embrasado e embrazado!

O espírito que ecoa por baixo de viadutos, pelas ruas do morro e pelas praças da cidade, vai num transe mais lento que elege o nosso charme. Em uma mixagem de romance, dá até pra namorar no baile, mas sabendo que “um lance é um lance”.

Nosso balanço é uma catarse de bateria eletrônica e efeitos sonoros que faz os atabaques serem sintetizados no tamborzão que continua rolando enquanto estiverem descendo até o chão. É esse loop de matrizes afro-brasileiras que garante que o nosso tambor vai, vai, vai e “não para, não para, não”.

Nosso bonde segue o rebolado que queima pelas pistas de baile como o tesão de uma lacraia. No “vrááá!” dos leques, abanamos o braseiro para deixar arder. Servindo excelência negra, nosso método é respeitar o pancadão que invade os circuitos da alegria. Esse beatboxing é putaria!

Nossa moda é proibidona porque mostra a realeza e a realidade da favela. Do Funk Brasil ao Funk Generation, o dia a dia do baile ecoa em alto-falantes mundo afora. Aqui toda gaiola é um estúdio de portas abertas pra liberdade! Nossa ordem é digital, toma conta das redes e transforma os paredões em áudios cibernéticos que espalham nossa negritude.

A regra é essa, nossa arte é nossa arma. Nosso manifesto é sério como toda festa! Tentaram nos moldar para um estado que nos mata, mas dançamos para viver. A cada “trá, trá, trá!”, respondemos com “tum, tum, tum!”. Nossa disciplina é do corpo e do povo, e se pobre tem que trabalhar, também tem que se divertir.

Nosso esquema tem escala na mesa do DJ, nosso ponto é batido numa tremidinha, numa paradinha, no movimento de uma sanfoninha, no aquecimento de uma maravilha. É seis batidas por uma respirada!

O baile é a nossa instituição! E pra quem questionar, MC Meriti é “patente alta”, autoridade e tá dado o recado:

“o Rio é baile e o poder é black!”

GESTÃO: GUSTAVO BARROS E TIÃO PINHEIRO
CARNAVALESCO: NICOLAS GONÇALVES
ENREDISTA: CLEITON ALMEIDA

Maryanne Hipólito é a convidada deste mês no projeto Sambando com o Tigre

Engana-se quem pensa que o carnaval acontece somente de dezembro a fevereiro. Fazendo jus à nomenclatura “escola de samba” a Unidos do Porto da Pedra realiza nesta quinta, 26 de junho, mais um encontro de saberes dentro do projeto Sambando com o Tigre. A oficina de samba no pé, que mensalmente leva um convidado para as aulas, terá a participação especial de Maryanne Hipólito, musa dos Acadêmicos do Salgueiro, falando um pouco sobre sua trajetória e mostrando porque é uma das mais requisitadas sambistas do carnaval.

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Foto: Divulgação

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O encontro é gratuito e começa às 20h. Interessados em participar do projeto, podem fazer sua inscrição no dia das oficinas que acontecem toda quinta-feira.

“Muito mais do que aprender ou lapidar a arte do samba no pé, o projeto Sambando com o Tigre tem a proposta de empoderar os nossos alunos. É um momento em que a gente mostra a parte técnica, mas também conta um pouco sobre nossas experiências e mostra que é possível tornar-se um passista de expressão se houver dedicação e disciplina. Trazer convidados de outras escolas é uma forma de homenagear nossos colegas, valorizar o segmento e confraternizar”, diz Renato Metello, que divide com Pâmella Nascimento e Caro Portugal, o comando da ala.

A quadra da Porto da Pedra fica na Travessa João Silva, 84 – Porto da Pedra.

Com atividades 100% gratuitas, Instituto Imperatriz Leopoldinense amplia horários e inicia novas modalidades para sua comunidade

Sempre atento às demandas sociais de sua comunidade, o Instituto Imperatriz Leopoldinense segue investindo nos projetos para a população do Complexo do Alemão e de todas que compõem a região da Zona da Leopoldina. Por meio da educação, esporte e cultura, a instituição disponibilizou novos horários e modalidades para crianças e adultos interessados.

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Foto: Nelson Malfacini/Divulgação

Agora, o Instituto Imperatriz Leopoldinense conta, em vários turnos, sempre às terças e quintas, com aulas de balé, Jiu-Jitsu, Zumba, funcional e alongamento, além de samba no pé. As inscrições estão abertas, e os documentos necessários são: cópia da identidade e CPF dos responsáveis e das crianças, comprovante de residência, declaração escolar atualizada para maiores de 4 anos e foto 3×4.

O presidente João Drumond destacou a ampliação das atividades e afirmou que outras modalidades serão implementadas ainda neste segundo semestre.

“Nos alegra muito atender essa que era uma antiga demanda da nossa comunidade. Promover a inclusão social por meio do Instituto Imperatriz, com atividades que fazem diferença no dia-a-dia dos moradores, onde a maioria nunca teve acesso a serviços básicos da sociedade, motiva ainda mais a continuar a ampliação dos nossos projetos. O balé para as crianças já está consolidado, e agora vemos adultos realizando sonhos que não conseguiam realizar na infância. Os alunos do Jiu-Jitsu já estão competindo, ganhando medalhas. Então, estamos investindo no hoje para que todos colham frutos no futuro”, afirmou João.

No início de junho, sete atletas de Jiu-Jitsu, moradores dos Complexos do Alemão e da Maré, e apoiados integralmente pelo Instituto Imperatriz, competiram no Campeonato Brasileiro Kids da modalidade, em São Paulo, onde faturaram quatro medalhas.

Para mais informações sobre vagas e inscrições, os interessados devem procurar a quadra da Imperatriz Leopoldinense, que fica na Rua Professor Lacé, 235, em Ramos. Ou entrar em contato pelo Instagram @institutoimperatriz.

O Instituto Imperatriz Leopoldinense é uma entidade sem fins lucrativos, que tem como finalidade única promover cidadania, empatia, oportunidade e amor ao próximo.

Celebrando o Dia do Orgulho, Império Serrano promove casamento coletivo LGBTQIAPN+ no próximo sábado

No próximo sábado, a quadra do Império Serrano, em Madureira, será palco de um momento histórico: 30 casais LGBTQIAPN+ oficializarão suas uniões civis em uma grande cerimônia coletiva, marcada por emoção, respeito e diversidade em comemoração ao Dia do Orgulho. A segunda edição do casamento faz parte do projeto “Festa do Orgulho e Casamento LGBTQIAPN+”, realizado em parceria com a ONG Central Única de Produções Artísticas. A celebração começa às 19h e promete transformar a quadra do Reizinho em um espaço de afeto, visibilidade e conquista de direitos.

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Foto: Alexandre Imperial/Divulgação Império Serrano

A proposta do projeto é fortalecer os laços sociais e culturais da comunidade LGBTQIAPN+, promovendo inclusão e visibilidade em uma data simbólica. A iniciativa contará com uma programação especial, voltada exclusivamente para convidados dos casais. Responsável pelo Departamento Comunitário do Império Serrano, Josimar Viana destacou a importância social da ação:

– Este é um projeto construído com responsabilidade e compromisso social. Pensamos em cada detalhe para garantir um momento digno e respeitoso, que celebre o amor e a cidadania dessas pessoas – disse Josimar.

Com entrada totalmente gratuita para os participantes, a celebração foi viabilizada por meio de parcerias com instituições e apoiadores da causa, como a Supervia. Os casais não terão qualquer custo com a cerimônia ou a recepção.

– Desde o início, nossa prioridade foi garantir que nenhum casal pagasse nada. Fomos atrás de quem acredita neste sonho conosco e conseguimos unir esforços para realizar uma celebração à altura do significado deste dia – acrescenta Josimar.

O evento contará com missa ecumênica, apresentação da Banda da Guarda Municipal, shows ao vivo, espetáculo de transformismo e atrações comandadas pelos segmentos do Império Serrano. Segundo Viana, a programação foi pensada para destacar a potência da cultura, da arte e da resistência da comunidade LGBTQIAPN+.

– Queremos mostrar que o samba também é um espaço de acolhimento e de valorização da diversidade. O Império Serrano tem história com as lutas do nosso povo e se orgulha de seguir firme ao lado de iniciativas como essa – concluiu o diretor.

Entre os padrinhos e madrinhas confirmados estão figuras importantes do carnaval carioca, como Quitéria Chagas (rainha de bateria do Império Serrano), Andrea Andrade (rainha de bateria da Porto da Pedra), Lara Mara (presidente da Unidos de Padre Miguel), Shayene Cesário (musa da Portela), Bianca Monteiro (rainha de bateria da Portela), Raíssa Oliveira (musa da Beija-Flor), além de Flávio França, presidente do Império Serrano, e da ministra de igualdade racial Anielle Franco.

Unidos de Padre Miguel recebe etapa da Festrilha do Rio com o SambArraiá 2025

A quadra da Unidos de Padre Miguel será palco de uma grande celebração junina neste fim de semana. Nos dias 28 e 29 de junho, a agremiação recebe a etapa classificatória da Festrilha do Rio — Federação de Quadrilhas Juninas do Estado do Rio de Janeiro — com o evento SambArraiá 2025, que promete unir o melhor da tradição nordestina com o samba no pé da Vila Vintém.

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Foto: S1 Fotografia e Comunicação/Divulgação

Com entrada gratuita e início às 19h, o evento contará com apresentações de 11 quadrilhas juninas, que disputarão vagas na próxima fase do circuito estadual. No sábado (28), sobem ao tablado as quadrilhas Carrossel Caipira, Paz e Amor, Tucanada, Estrela Dourada e Geração Realce. Já no domingo (29), será a vez de Gonzagão Pavilhão, Favo de Cazumbá, Gonzagão Campo Grande, São Judas Show e Santa Rita.

O evento ainda contará com barracas típicas, decoração temática e muita música para animar o público. A expectativa é de casa cheia, com a comunidade de Padre Miguel e visitantes de toda a cidade celebrando juntos o São João.

Sinopse do enredo do Império Serrano para o Carnaval 2026

Enredo: PONCIÁ EVARISTO FLOR DO MULUNGU

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Foto: Divulgação/Emerson Pereira Império Serrano

JUSTIFICATIVA

O Império Serrano tem como premissa contar os saberes do povo brasileiro. Griô do carnaval, organismo vivo, com grandes enredos musicados. Pioneira no protagonismo feminino dentro das escolas de samba, tem em sua constelação baluartes como D. Ivone Lara, Tia Eulália, Jovelina Pérola Negra, dentre tantas outras. Ainda hoje, seu contingente é formado majoritariamente por mulheres negras, reconhecendo na fibra e na resiliência femininas o potencial para superar as adversidades vividas no último ciclo carnavalesco.

A força e a vivência da mulher preta serão o foco principal do próximo carnaval. Para isso, iremos homenagear a professora, doutora em Literatura Comparada, a maior literata negra que habita o nosso tempo: Conceição Evaristo.

Escritora, poetisa e professora, vinda de uma família pobre, trabalhou como empregada doméstica antes de concluir os estudos e se formar em Letras. Sua obra é marcada pelo conceito de “escrevivência”, que valoriza as experiências pessoais e coletivas das mulheres negras. Publicou romances, contos e poesias que abordam temas como racismo, desigualdade social, ancestralidade e resistência feminina, sendo Ponciá Vicêncio, Olhos d’Água e Macabéa: Flor de Mulungu algumas de suas obras mais conhecidas. Ao longo da carreira, recebeu diversos prêmios e, em 2024, foi eleita para a Academia Mineira de Letras.

O termo “escrevivência”, criado por Conceição Evaristo, une as palavras “escrita” e “vivência” para definir uma forma de escrever que nasce das experiências de vida, especialmente das mulheres negras. Mais do que ficção, a escrevivência é uma escrita marcada pela memória, pela presença do pretuguês, pela ancestralidade e pelas dores e resistências do cotidiano, rompendo com a literatura tradicional ao valorizar vozes historicamente silenciadas. Para Evaristo, escrever é um ato político e de afirmação identitária, em que a vida e a palavra se misturam como forma de denúncia, resistência e transformação social.

SINOPSE

PRELÚDIO

“Leiam meus livros, não minha biografia.”
Conceição Evaristo

“Se essa história não existe, passará a existir.” – Clarice Lispector.

Este enredo é uma escrevivência baseado nas obras de Conceição Evaristo.

Flores de Mulungu são todos os africanos em diáspora. É a África juntando os seus em seus galhos. É a velha da sabedoria ancestral, a flor em estado de graça que enxerga o tudo e o nada. A força da mulher negra que verte em leite a seiva que dá a vida. É a criança que brinca debaixo do tronco de um mulungu, com os pés na terra, sentindo o axé. Flores do Mulungu costumam ser porta-vozes de mulheres iguais a elas. Flor do ontem-hoje-amanhã. A flor do mulungu não morre, leva consigo a potência da vida. Força motriz de um povo que, resilientemente, vai emoldurando o seu grito contra o sistema. Nesta escrevivência-enredo, apresentamos Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu, com pitadas de realismo fantástico, em sua trajetória até se tornar uma imortal no Palácio Ancestral das Escrevivências.

I

A água bailava sinuosa entre os pedregulhos no rio. Às margens, lavadeiras cantavam, disputando espaço com peixes que subiam em marcha contrária à correnteza. Havia chovido e o sol insistia em não aparecer. O tempo fechado impedia o quarar das roupas. No quintal de chão de terra batida, ainda umedecido pelas chuvas, a mãe de Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu pegou um graveto, colocou a saia entre as pernas e desenhou um sol no chão. Cantou no afã de acordar o astro-rei que insistia em dormir entre os travesseiros de nuvens.

A menina-flor, que brincava com suas irmãs, se encantou com aquela cena. Em seu universo pueril, o graveto seria o lápis e a terra molhada, o papel. Extasiada, fitou o rosto da lavadeira que agora sorria. O sol iluminava a face, revelando qual era a cor dos olhos de sua mãe. Ela tinha os olhos da cor de Oxum, olhos d’água, oju-abebé. Espelho que refletia os olhos da menina-flor.

Consagrada à Imaculada Conceição e à Oxum, Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu havia crescido na ausência de livros e rodeada de palavras. O rito que acabara de ver sua mãe fazer, despertou em si o desejo de escrever histórias.

II

Pelos Becos da Memória, Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu passeava por espirais de ontem, paisagens do futuro cantadas há séculos. Encontrou sua ancestral Negra Halima que contou suas vivências sincréticas de Améfrica-mineira. Histórias que ecoavam dos porões do navio. Tia Halima guardava o segredo dos cabelos de ouro. Ela usava suas mechas preciosas para libertar seus irmãos.

A menina-flor aprendeu a moldar o barro com Vô Vicêncio. Quis brincar com os mascarados na Folia de Reis. Seguiu o batuque das congadas e dançou com Tio Totó, ornado em coroa e fitas. Rezou no canjerê com seu rosário feito de contas negras e mágicas. Em suas contas, um canto para mamãe Oxum.

Continuou brincando. Tinha o costume de atravessar o rio saltando de pedra em pedra, mas desta vez houve um impasse. Um arco-íris no céu uniu as duas margens. Para chegar aonde o umbigo dela e de seus ancestrais estavam enterrados, precisaria passar embaixo da cobra celeste. O medo a impediu de fazer a travessia. Já dizia Tia Halima: a menina que passasse debaixo de Angorô, garoto virava. Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu se questionou se a vida seria mais fácil se fosse um menino.

III

A vida na Favela do Pindura-Saia, onde morava Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu, era carregada de uma difícil ilusão. A favela era o encontro dos esperançosos que escolheram resistir. Como poderia coabitar prato vazio e felicidade?

Ecos de estômagos desocupados, cheios de medo, de fome e de desemprego, transformados em cantos de fé e esperança à Sabela, a mulher dos mil olhos. Deusa do barro que moldou a vida e devolveu a fertilidade ao seu povo. Findou a estiagem do rio que circunda a comunidade, doando o líquido maternal que saíra de suas entranhas.

A euforia funesta dos moradores do Pindura-Saia incomodava os que viviam fora dali. Incapazes de compreender como seria possível conviver tanta esperança com tamanha miséria, decidiram então tomar o chão ancestral. Rezaram por Benevuto, a cobra de ferro, senhor dos desastres, que fez chover até inundar a favela. Em desespero, os moradores da comunidade rogaram por Sabela. A Deusa surgiu em meio à inundação e se engerou em navio. Das curvas de Minas Gerais para as alturas do Rio de Janeiro, Sabela carregou nas costas seu povo e sua favela.

IV

Após o dilúvio, escrever adquiriu um sentido de insubordinação. Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu tornou-se professora. Entre poemas e romances, registrou as memórias da tragédia do aguaceiro e as guardou em Cadernos Negros.

Novo lugar, antigo desassossego. O menino que vendia bala no sinal recebeu de troco uma bala de sangue. Enquanto novelas embranquecem amores, mães negras enfrentam a dolorosa realidade de enterrar seus filhos antes que possam completar seus sonhos. O berço vira caixão. A infância, alvo. O futuro, estatística. As balas “acidentais”, “em legítima defesa”, certeiras em quem já nasceu condenado. O CPF do negro é escrito pelo Estado com tinta de sangue. A cor da pele virou evidência criminal. De suspeito a condenado, bastava ser preto.

O alarme da loja apita: será que foi o preto que roubou? O vizinho teve de aprender que, se chovesse, seria melhor se molhar, porque guarda-chuva poderia significar sua sentença de morte. O corpo preto objetificado na solidão de Fio Jasmim e seus amores rasos. A moça do vestido amarelo conhecia mais a cor das paredes do quarto de empregada do que as cores do seu barraco. Porém, a cor da empregada, essa todo mundo conhecia.

Quantas mulheres negras ainda serão silenciadas entre quatro paredes? Quantos assassinos dormirão tranquilos porque o patriarcado os chamou de maridos?

Ponciá-Evaristo transformou em versos a incerteza de sair da favela e não saber se iria voltar. O direito de as mães pretas exercerem o papel de mães dos próprios filhos. Vivenciou amigos e irmãos favelados serem subtraídos de seus destinos sem ter o direito de se defender do sistema que os oprime.

Perdeu Dorvi, perdeu Bica, perdeu Idalgo. Esterlinda, sua vizinha, perdeu o filho, a filha e o genro. A realidade era dolorosa e cruelmente comum.

Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu registrou tragédias cotidianas. Colocou no papel o que vivenciou em mais de sete décadas de vida no ayê. Guiada por Oxum, Maria, Conceição e Sabela, escreveu as vivências do seu povo. Vivência e criação, vivência e escrita. Escrevivência.

Dedicou a vida para não contar histórias de ninar aos filhos da casa-grande. Fez Samba-favela para incomodar e acordá-los de seu sono dos injustos. Construiu uma casa feita de livros para abrigar aqueles que, como ela, gostariam de transformar os Becos da Memória e escreviver um futuro melhor.

V

Era kizomba em noite de céu estrelado. As escrevivências romperam os muros da favela e ganharam o asfalto. Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu desabrochou para o mundo. Sua poesia atravessou oceanos, alcançou seus frutos que caíram longe do pé.

A Flor-do-Mulungu nasceu rainha. Para comemorar junto aos seus, Ponciá-Evaristo vestiu-se de água. Em sua coroa de cabelo crespo repousava um adorno de ouro, o adê: coroa de Oxum. Trazia consigo, na mão, um cetro-luneta.

Ao som de poemas-malungos, seu povo a esperava em saudação. Cantavam contra o sistema, contra a opressão, contra o racismo estrutural que assassina, diariamente, milhares de Negros-Estrelas e que retira o direito básico de viver. Cantar é feitiço que afasta o banzo. Resistir é um ato político.

A pequena casa feita de livros, sob a luz do luar, transformou-se num palácio ancestral. O que era feito de papel e tinta ganhou suntuosas arquiteturas em ouro e marfim. Dos livros saltaram para a realidade realezas, guerreiros e estátuas em tons de ébano. Ao centro, da cadeira de professora ergueu-se o trono imortal dedicado às rainhas africanas. Neste momento, como numa espiral de memórias, o ontem-hoje-amanhã se fundiu. Velha-mulher-criança, amálgama germinado em forma de Ainá-Maria-Nova, desabrochou e tomou o trono que era seu por direito. O fruto voltou ao pé.

Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu mirou a luneta para o firmamento e encontrou os Negros-Estrelas que cruzaram o seu destino. Do orun cintilava o axé de todos os seus com quem fizera um pacto de sobrevivência. Ponciá-Evaristo assumiu seu lugar na imortalidade das escrevivências negras.

Evaristo é Maria-Nova. É Anastácia. É Carolina Maria de Jesus. É Dona Ivone Lara. É Ruth de Souza. É Mãe Meninazinha. É Oxum. É Conceição Yalodê. E são todas as flores do mulungu que desabrocharam para combater o racismo, o feminicídio e o vilipêndio dos corpos pretos.

Sua trajetória em nada difere das vidas reais da maioria das mulheres pretas deste país, onde “vencer na vida” é exceção. Finais felizes para pessoas negras são raros. Cada corpo preto que respira, ama e sonha é um grito contra o sistema que nos quer mortos, calados ou domesticados. Não seremos nenhum dos três. A luta ainda não acabou. É imperativo sobreviver.

A gente combinamos de não morrer.

Texto: Renato Esteves
Edição e revisão textual: Jefferson Brunner e Jorge Sant’Anna
Pesquisa e desenvolvimento: Renato Esteves, Emanuelle Rosa e Jorge Sant’Anna da Silva.
Equipe de Criação: Emanuelle Rosa, Gabriel Toledo e Jorge Sant’Anna da Silva

NOTAS EXPLICATIVAS

A gente combinamos de não morrer – O conto “A gente combinamos de não morrer”, da escritora Conceição Evaristo, é uma narrativa curta, mas profundamente impactante, que integra a coletânea “Histórias de leves enganos e parecenças” (2016). Ele ilustra com sensibilidade e potência as experiências de dor, resistência e afeto no contexto da vivência de mulheres negras nas periferias brasileiras. O erro de concordância verbal é proposital. Segundo a autora, escrever adquire um sentido de insubordinação que pode ser evidenciado numa escrita que fere a norma culta.

A moça do vestido amarelo – O conto “A moça de vestido amarelo”, de Conceição Evaristo, aborda a experiência da menina Dóris da Conceição Aparecida, que tem uma visão de uma moça vestida de amarelo em seu sonho, relacionada com a força da natureza e a cultura afro-brasileira. A moça do vestido amarelo, em seus sonhos, representa a deusa Oxum, sendo comparada com as águas do rio. O conto explora o inusitado e a presença da tradição oral na narrativa, com a menina Dóris tendo seu vocabulário influenciado pela presença da moça.

Adê – Espécie de coroa cerimonial no candomblé pelos orixás quando incorporados num filho de santo.

Ainá-Maria-Nova – No conto, Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu se brota e desabrocha para a imortalidade como Ainá-Maria-nova. Ainá, nome da única filha de Conceição Evaristo e Maria-Nova, personagem de Becos da Memória a qual em suas entrevistas, a autora diz ser a personagem que mais se assemelha consigo.

Améfrica-Mineira – O termo “Améfrica” ou “Amefricanidade” foi criado pela intelectual Lélia Gonzalez para representar a experiência e a identidade compartilhada por pessoas negras e indígenas na América, especialmente em relação à resistência à dominação colonial e ao racismo estrutural.

Angorô – Angorô (também conhecido como Angolô ou Ongolô) é uma divindade da mitologia banto, associada à cobra arco-íris e à fertilidade. É considerado o inquice do arco-íris, que traz a chuva e, por conseguinte, a prosperidade. Angorô é frequentemente identificado com o orixá Oxumaré, que é cultuado no Candomblé, e também é visto como uma entidade andrógina.

Ayê – O físico. Lugar onde habitam os vivos. O material, o palpável.

Becos da Memória – Becos da memória é um dos mais importantes romances memorialistas da literatura contemporânea brasileira. A partir de seus muitos personagens, Conceição Evaristo traduz a complexidade humana e os sentimentos profundos dos que enfrentam cotidianamente o desamparo, o preconceito, a fome e a miséria sem perder o lirismo e a delicadeza. Representa uma obra baseada no conceito de escrevivência.

Benevuto – Personagem da novela Sabela representante tomaram as terras dos Palavís, povos originários.

Cadernos Negros – Cadernos Negros é uma série literária independente que veicula textos afro-brasileiros. Concebida por jovens estudantes que acreditavam no poder de conscientização, sensibilização e acolhimento da literatura, a série veicula até hoje, na poesia e na prosa, a possibilidade de expressar e promover a produção cultural e intelectual contemporânea, concebida e escrita por literatos pretos brasileiros.

Canjerê – Batuque de candomblés e umbandas. Termo utilizado em Minas Gerais.

Casa feita de livros – A Casa Escrevivência é um espaço cultural idealizado pela escritora Conceição Evaristo, no Largo da Prainha, região portuária do Rio de Janeiro. Localizada na chamada “Pequena África”, área de grande importância histórica para a população negra brasileira, a Casa abriga o acervo pessoal da autora, incluindo livros, cartazes, prêmios e documentos diversos.

Das curvas de Minas Gerais para as alturas do Rio de Janeiro – Passagem do texto fazendo uma alegoria para ilustrar a ida da protagonista para o Rio de Janeiro, assim como Conceição Evaristo fez e que hoje mora no Morro da Conceição.

Dorvi, Bica, Idalgo e Esterlinda – Personagens do conto “A gente combinamos de não morrer”, da obra Olhos d’água, de Conceição Evaristo. Bica, esposa de Dorvi; Dorvi, um traficante de drogas; e a mãe de Bica, dona Esterlinda, que tem dois filhos, Idalgo (assassinado) e Bica.

Enterrar umbigo – A prática de enterrar o umbigo do recém-nascido é uma tradição ancestral. No Brasil, esta prática é comum. Pode ser vista como um ato de proteção, um símbolo de ligação entre mãe e filho, e uma forma de conectar a criança com a terra e com o seu futuro.

Espiral de memórias – Segundo Leda Maria Martins, a escrita espiralar desconstrói a dicotomia entre oralidade e escrita enfatizada pelo Ocidente, que prioriza a linguagem discursiva como modo exclusivo de postulação de conhecimento. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela apresenta uma temporalidade que se curva para frente e para trás, ao redor e para cima, em movimentos espirais que retêm o passado como presente (ou presentifica o passado) para moldar o futuro. Assim, a autora descoloniza o pensamento Ocidental e requalifica a África como continente pensante.

Favela do Pindura-Saia – Cenário que ampara o conto Becos da Memória. Homônima da extinta comunidade em Belo Horizonte onde Conceição Evaristo passou a sua infância e parte da juventude.

Fio Jasmim – Personagem central na obra “Canção para ninar menino grande”, da autora Conceição Evaristo. Ele é um homem negro, conhecido por sua beleza e facilidade em atrair mulheres, com quem tem diversos filhos e que não mantém vínculos afetivos ou responsabilidades.

Mulungu – O mulungu (Erythrina velutina) é uma planta medicinal nativa da América do Sul e Central, conhecida por suas propriedades calmantes e sedativas. É utilizada na medicina tradicional para tratar insônia, estresse, ansiedade e como relaxante muscular. Dizia que os escravizados faziam o chá de mulungu para adormecer os senhores da Casa Grande até entrarem em um sono tão profundo e não acordarem mais.

Negros-Estrelas – Negro-Estrela é um poema criado por Conceição Evaristo em homenagem a seu companheiro de vida e pai de Ainá, Osvaldo Oju-abebé – União de duas palavras em yorubá. Oju, olhos e abebé, paramento empunhado pelo orixá Oxum, um espelho o qual, segundo conta a ancestralidade, Oxum se mira no espelho para ver quem está atrás. É um elo entre o presente, o passado e o futuro.

Olhos d’água – Antologia de contos de Conceição Evaristo que também dá nome ao romance mais notório dentro da obra.

Ontem-hoje-amanhã – Neologismo empregado nas literaturas de Conceição Evaristo para sinalizar o conceito de literatura espiralar.

Orun – O etéreo, o inalcançável. Onde habitam os orixás e as estrelas.

Poemas-malungos – Poemas malungos, cânticos irmãos (2011), Tese de doutorado em Literatura Comparada de Conceição Evaristo.

Pretuguês – É um conceito criado pela intelectual Lélia Gonzalez para evidenciar a influência das línguas africanas, especialmente das matrizes bantas, na formação do português falado no Brasil. Mais do que uma variação linguística, o pretuguês expressa uma identidade da cultural afro-brasileira, reivindicando um local de apropriação de identidade da população negra, e sua contribuição cultural e intelectual. Nesse sentido, expressões como “Q’eu isse” revelam não “erros”, mas heranças linguísticas africanas reconfiguradas no cotidiano e nas artes. O pretuguês, portanto, é um ato político, que valoriza os saberes negros historicamente marginalizados pela norma culta ocidental. É um processo contra colonial, contra o epistemicidio.

Realismo fantástico – O realismo fantástico, ou realismo mágico, é um estilo artístico que combina elementos do mundo real com acontecimentos fantásticos e sobrenaturais, geralmente tratados como parte normal do dia a dia.

Sabela – Protagonista que dá nome à novela que encerra a antologia de contos femininos em Histórias de leves enganos e parecenças, de Conceição Evaristo, em que a autora aproxima a personagem ao itan de Oxum.

Samba-Favela – Samba-Favela é um dos primeiros textos escritos por Conceição Evaristo. Publicado inicialmente no jornal O Diário, Belo Horizonte, esse texto é considerado pela autora como a semente de sua obra mais conhecida, o romance Becos da Memória (2006).

Tia Halima – Halima é protagonista do conto que faz referência à mitologia de Oxum no conto “Fios de ouro”, de Conceição Evaristo, parte integrante da obra Histórias de leves enganos e parecenças. Dentro da cultura ancestral afrocentrada, o vocativo “tio/tia” é utilizado para identificar os mais velhos, não necessariamente indicando um parentesco.

Tio Totó – Personagem do conto Becos da Memória em que se assemelha em escrevivências ao tio de Conceição Evaristo.

Vô Vicencio – Personagem avô de Ponciá Vicêncio, a protagonista que dá nome ao conto.

Yalodê – Em ioruba: Ìyálodè, é um termo que significa “aquele que lidera as mulheres na cidade” ou “dona do grande poder feminino”.

Sinopse do enredo da Grande Rio para o Carnaval 2026

Enredo: A NAÇÃO DO MANGUE

grio mangue2026

JUSTIFICATIVA

“O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife”. Manifesto Caranguejos com Cérebro, Recife, Pernambuco, Brasil, 1992

De tempos em tempos, a cultura brasileira revela movimentos organizados em torno de ideias que rompem modelos, apontam novos caminhos, fazem da cena musical parte transformadora da vida social e política do país. Este enredo conta a história de um desses momentos transgressores e, ao mesmo tempo, construtores da cultura nacional.

Nas margens de Recife, nas bordas da capital pernambucana, das vozes da juventude periférica da então quarta pior cidade do mundo, brotou uma sentença simples, mas revolucionária: o mangue é vida. Antes vistos como espaços de miséria, os manguezais são ressignificados como símbolos de fertilidade, resistência e reinvenção. Com suas canções e arte, os jovens nascidos sob a lama bradaram que era das raízes-veias do mangue que pulsaria a energia vital capaz de reviver e eletrificar uma cidade “adormecida, adoecida, opaca e fúnebre”.

No próximo carnaval, a Grande Rio mergulha na história do movimento do Manguebeat e revisita esse grito. Não como lembrança, mas como urgência. Porque o manifesto lançado pelos “Caranguejos com Cérebro” nos anos 1990 segue atual. Nossas cidades continuam doentes, a desigualdade persiste e, mais do que nunca, é preciso lembrar que é das periferias que se fará ouvir os sons capazes de alterar a rota da sociedade.

Tal como o próprio mangue, responsável pela troca entre as águas doces e salgadas, entre as espécies marinhas e terrestres, o Manguebeat realiza a troca, a mistura, o encontro de múltiplas influências (e afluências). Das tradições da cultura local aos mais modernos arranjos e tecnologias da música global. Sob a liderança breve, mas decisiva, de Chico Science, consagrado como o poeta-caranguejo, os mangueboys e as manguegirls irromperam fronteiras políticas e geográficas. Inspiraram artistas de todo o país e do mundo. Fundaram suas próprias nações. E motivam, hoje, o nosso carnaval.

Daqui de Caxias, também nós rodeados pelos mangues; também nós energizados pelas margens; também nós cidade-anfíbia; vamos ecoar o grito que captamos ao nos sintonizarmos aos sons de mestre Salu, do Lamento Negro, da Nação Zumbi, do Mundo Livre e de tantos outros fundamentos do movimento: é preciso manter os estuários vivos, preservar o mangue! Basta de morte e de fome! A vida e a cultura que emergem das margens é que vão salvar a cidade!

Lá e cá, em Recife e em Caxias, nos Peixinhos e na Baixada Fluminense, em todos os cantos e margens desse país, a cultura periférica é a revolução.

Bem-vindos à Nação do Mangue.

SINOPSE

“Entra, entra, entra
Senta
Bem-vinda ao novo mundo”
A Bola do Jogo, Mundo Livre S/A

Chico Science mandou nos chamar. Somos os caranguejos com cérebro evocados por Fred Zero Quatro, filhos dos homens-caranguejos de Josué de Castro, da geografia da fome, mangueboys e manguegirls das periferias. Chegamos para mudar o curso dos rios, oxigenar os estuários, injetar a cultura do povo nas veias e artérias entupidas pelo lixo, pelo abandono e pela impotência – fazer revolução.

Somos o manguebeat.

Nós da Lama: O Mangue Ancestral

“Na verdade, foram os mangues os primeiros conquistadores desta terra. Foram mesmo, em grande parte, os seus criadores”. Josué de Castro

Viemos da lama, do lodo, dos igarapés, do beijo doce em águas de sal. Somos daquela vida que se manifesta pegajosa, sufocante, desconhecida. Uma vida que atrai e afasta, se mostra e se esconde, vai e vem no ritmo das marés. Às vezes mar, às vezes rio, quase sempre lama. Estamos nos manguezais de braços entrelaçados, cipós retorcidos, galhos que cortam, espinhos, folhas secas, nós de troncos.

Nós somos nós.

Viemos de onde vêm as capivaras, savacus de coroa, jacarés de papo amarelo, muriçocas, calangos e caranguejos – bichos e homens, homens-bicho. Habitamos o mangue vivo, organismo que pulsa, filtra e fertiliza. Somos feitos de raízes aéreas, encharcadas, raízes de terra e de ar. Veias abertas. Nascemos dos mangues tingidos de vermelho-sangue, lavados no suor, banhados de vida, abençoados e protegidos pela senhora de todos os pântanos, mãe ancestral que rege a nossa natureza.

Nós das Margens: A Manguetown

“Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça
Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”
Da Lama ao Caos, Nação Zumbi

Aqui a vida arde como brasa. Pescamos em nossas canoas feitas de pau de bananeira, limpamos mariscos, acendemos velas, queimamos no sol enquanto lavadeiras nas margens do rio entoam cantos de lamento e proteção. Sob as pontes, somos os caboclos destemidos de Bandeira, os meninos com fome de Freire. Na beira da água, vivemos sobre palafitas, fazemos morada na incerteza e nos sonhos feitos de lama. Seres híbridos, entre o barro e a água, entre o homem e o caranguejo, entre o céu e a terra. Caminhamos sobre um chão de conchas.

Somos dos aratus, gabirus, carcarás e urubus. De Beberibe, Pina e Capibaribe, as grandes águas de João Cabral de Melo Neto, as águas que “nada sabem da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água do copo de água”. Águas espessas que banham homens e mulheres, velhos e crianças, cães sem plumas. É esse o nosso rio. O rio que sabe dos caranguejos, do lodo, do fedor e da ferrugem. O rio que sabe de nós.

Estamos à margem, quase invisíveis. Corremos entre os vira-latas, brincamos com os guaiamuns, cercamos galinhas e porcos, erguemos nossos templos de reza, nossos terreiros de encanto, tomamos banho de canal quando a maré enche. Os de fora, em seus arranhas-céus, quando conseguem nos enxergar, nos veem tortos feito as raízes que nos cercam. Não veem eles que a cidade é que está torta, pobre, morta. Já os que estão dentro, na teimosia da vida diária, se veem como nós. Daqueles que amarram, apertam, abraçam, unem.

Nós das Ruas: O Mangue Festa

“Batuqueiro olha a onda
Não vá se atrapalhar
Meu batuque é forte, meu canto arrepia
Meu barco balança com as ondas do mar”
(Batuqueiro Olha a Onda – Maracatu Nação Porto Rico)

Onde há vida, há festa. Dançamos cirandas, brincamos nas madrugadas com o Galo, batemos na palma da mão, vestimos cores, sambamos como maiorais. Filhos desse Brasil que pulsa nos tambores e batuques, que festeja e faz da festa identidade. Somos feito as ursas, os capoeiras, os mamulengos e os caboclinhos. Vivemos na farra, no riso, nos amores, nas vertigens. Nas ruas, somos os nós desatados, os versos soltos, os corações livres.

Cultivamos as festas, cultuamos os deuses da beleza, do amor e da luta – é essa a nossa cultura.

Quem é do mangue carrega a realeza ancestral dos maracatus. Viemos de Congo e Pernambuco, África e Brasil. Nosso corpo é feito dos bordados, miçangas, lantejoulas, canutilhos. Seguimos cobertos com os mantos, tomamos bênção aos mais velhos, carregamos o cravo na boca e a rebeldia que transforma. Temos a força dos caboclos, a dança dos fitilhos metálicos incorporados de energia e vibração. Somos do gonguê e do ganzá; da sambada e do improviso. Somos da gira, do giro e do rodopio. Reis e rainhas. Coroados e brincantes. Cavalos marinhos e batuqueiros. Catitas em flor. As damas do passo abrem nossos caminhos, as calungas em banho de purificação, o batuque surdo das alfaias, os estandartes como bandeiras de uma nova nação.

Estamos prontos.
Chegamos com a lança apontada para frente.
É essa a nossa batida.

Nós da Lança: O Manguebeat

A cidade não para, a cidade só cresce
O de cima sobe e o de baixo desce
(A Cidade. Chico Science e a Nação Zumbi)

Chico chamou.

Viemos do tempo e da história. Trazemos no peito a coragem, a raiz de Palmares, as dores e as marcas das batalhas. Nosso som é herdeiro da rabeca de mestre Salu, dos ritos do Daruê Malungo, dos ensinamentos do Mestre Meia-Noite, da batida afro do Lamento Negro, do corre nas ruas de Rio Doce, das encruzilhadas de Peixinhos, do Chão de Estrelas.
Chegamos para misturar. Somos de Zumbi, Dandara e Antônio Conselheiro. Do hip-hop, do rap e do rock. Embolada, coco, cordel e ciranda. Samba e metal. Baque solto e baque virado. Somos Josué e Solano, Gonzaga e Capiba, Vitalino e Brennand, Fred e Mau, Lia e Fulozinha, Benjor e Du Peixe, rio e mar, lama e caos. Somos passado e futuro, memória e sonho. Nossos caboclos têm a lança certeira.

Uma antena cravada na lama nos deu percepção e direção. Recebemos e transmitimos; aprendemos e ensinamos. Temos o tempo que foi e o que ainda virá. Fizemos das margens, centro. Despertamos uma Recife adormecida e cansada, ligamos a cidade nas tomadas, fizemos barulho e revelamos a vida das gentes escondidas nos mangues.

Nosso som penetrou nos rios, nas casas, nas almas e nos corações dos nossos.

Eu vim com a Nação Zumbi
Ao seu ouvido falar
Quero ver a poeira subir
E muita fumaça no ar
Cheguei com meu universo
E aterriso no seu pensamento
(Mateus Enter – Nação Zumbi)

Desorganizamos para organizar, organizamos para desorganizar. Espalhamos o caos. Do caos, a lama vence! Transformamos a arte, a música, a literatura, o teatro e o cinema. Conectamos a cidade com toda a potência marginal que faz revolução. Cantamos com os poetas do povo, revolvemos a lama, marcamos nossos territórios, explodimos os maracatus atômicos. Refizemos nós.

Ganhamos o mundo.

Nas raízes sagradas do mangue, fundamos a nossa nação.

Nós do Mundo: O Antromangue

“E com as asas que os urubus
Me deram ao dia
Eu voarei por toda a periferia”
Manguetown, Nação Zumbi

Nossa nação é a nação de Brasília Teimosa, Coelhos, Favela do Leite, Ilha de Deus. É a nação de Jardim Gramacho, Saracuruna, Imbariê, Capivari. Uma nação de periferias. Que junta a potência do som das alfaias e a fúria eletrônica do Manguebeat aos tambores invocados e à garra do povo da Baixada. Recife e Caxias, cidades anfíbias, cidades irmãs, nós atados. Entre troncos, galhos, urubus e caranguejos, somos o homem parido no mangue e seus mundos livres.

“A tecnologia do povo é a vontade”, anunciou a Nação Zumbi.

A Nação do Mangue – o Antromangue idealizado por Chico Science – é a nação dos que festejam como resistência, os que dançam em volta da roda, batem seus tambores, bebem suas cervejas antes do almoço, pensam melhor, pulsam com as caixas de som, rompem as fronteiras do mundo, creem na arte, na ciência e na natureza das coisas, vestem-se como reis e rainhas, beijam seus beijos, amam seus amores, fazem carnaval, brincam quando têm que brincar, brigam quando têm que brigar, celebram a vida e, do lodo entranhado nos corpos, erguem e honram seus impressionantes castelos de lama.

Aguardem: uma nova civilização brotará dos mangues.

Saluba Nanã!

Salve Chico Science, a Nação Zumbi e a utopia dos mundos livres!

Viva o carnaval e seus universos de festa, luta e afetos!

Carnavalesco: Antônio Gonzaga
Textos e pesquisa: Antônio Gonzaga, Jader Moraes e Renato Lemos

BIBLIOGRAFIA

Livros e artigos

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CABRAL DE MELO NETO, João. O cão sem plumas. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993
CABRAL DE MELO NETO, João, O rio. Alfaguara, 2012

CASTRO, Josué de. Homens e Caranguejos. São Paulo: Brasiliense, 1961

________________. Geografia da fome: o dilema brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

FERRAZ, Renato de Oliveira. África, psicodelia e cibernética: crítica social e questão racial nas composições musicais da banda Chico Science & Nação Zumbi. Rio de Janeiro, 2018. 151 p. Dissertação (História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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TESSER, Paula. Mangue Beat: húmus cultural e social. Logos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 70–83, 2015

Poesia Inspiradora
FREIRE, Paulo – Recife Sempre – Santiago, Chile, 1969
TRINDADE, Solano – Cantares ao meu povo. Recife, 1961
BANDEIRA, Manoel – Evocação ao Recife, Recife, 1925
DOMINGUES, Edmir – Palafitas do Capibaribe – Recife, 1952
MARIANO, Olegário – O Poço da Panela – Rio de Janeiro, 1950

Audiovisual
Discografia de Chico Science e Nação Zumbi
Discografia de Mundo Livre S/A
Documentário “Chico Science – Um Caranguejo Elétrico”, de Zé Eduardo Miglioli (disponível no Youtube)
Documentário “Manifesto Manguebeat”, de Guga Paes (Disponível no Globoplay)
O Primeiro Abril Pro Rock – Paulo Andre Moraes Pires – Youtube – https://www.youtube.com/watch?v=Oom-Faxb4lA
Replay – Da Lama ao caos – Globoplay, 2025
ACERVO CHICO SCIENCE – https://acervochicoscience.com.br/

AGRADECIMENTOS
Agradecemos especialmente à pessoas e entidades que nos receberam, acolheram e apontaram caminhos entre conversas por ruas, bares, ladeiras e mangues de Recife e Olinda.
Fred Zero Quatro (Mundo Livre S/A)
Jorge Du Peixe (Nação Zumbi)
Louise de França (filha de Chico Science)
Maria Goretti de França (irmã de Chico Science)
Acervo Chico Science
Mestre Meia Noite e Vilma Carijós (Daruê Malungo)
Maciel Salu
Mércia Gadelha
Casa da Rabeca
Maracatu Nação Porto Rico
Maracatu Piaba de Ouro
Galo da Madrugada
Oficina Francisco Brennand
Liga das Escolas de Samba de Recife
Oficina de Percussão da Escola Polivalente Antônio Maria – Rio Doce – Olinda
Gil, que nos conduziu pelas trilhas de conchas e mistérios da Ilha de Deus
Todos os amigos e vizinhos da infância de Chico, que nos alimentaram de memórias, causos e saudades.