O site CARNAVALESCO dá início à série “Futuro do Carnaval”. A ideia é apresentar um exercício de imaginação para profissionais e personalidades do samba sobre tendências e sugestões que possam ajudar a projetar os próximos anos da folia. O primeiro convidado foi o carnavalesco Tarcisio Zanon, da Viradouro, campeão em 2020 do Grupo Especial em companhia de Marcus Ferreira, e também vencedor da Série A em 2019, pela Estácio de Sá. Na conversa, Tarcisio apresentou ideias sobre diversos temas como escolha de enredos, uso de tecnologia nos desfiles e trabalho de barracão.
Formado como designer gráfico na Escola Técnica Federal de Campos dos Goytacazes, com pós-graduação em Carnaval e Figurino na Universidade Veiga de Almeida, o artista destacou a importância da universidade para uma melhor qualificação e para facilitar a entrada de novos profissionais no universo do carnaval.
“Em relação ao mercado para novos profissionais, eu vou contar da minha própria experiência. Eu estou há seis anos no carnaval e há seis anos que eu estou no carnaval do Rio de Janeiro trabalhando. E, eu entrei através da academia, através de uma pós-graduação. Então, eu acredito que o caminho da profissionalização do carnaval, da formação profissional do carnaval tenha essa tendência. Porque a grande maioria dos novos carnavalescos, e de novos profissionais, não digo só carnavalescos, como escultores, ferreiros, pintores de arte, eles têm saído deste ambiente acadêmico”. * VEJA AQUI NOTÍCIAS DO CARNAVAL
Campeão da Série A em 2015 (este em companhia do carnavalesco Amauri Santos) e 2019 na Estácio de Sá, com trabalho no Grupo de Acesso realizado também na Unidos de Manguinhos, Zanon destacou a importância de levar os conhecimentos adquiridos nas universidades, escolas técnicas, para a comunidade ao redor das agremiações. * NOS ACOMPANHE NO INSTAGRAM
”Eu acho que o ambiente acadêmico hoje é importante para o carnaval, é importante para a formação desses novos profissionais e é claro precisa-se ter novos formatos, para que a gente possa fazer oficinas de aprendizado nas comunidades, dentro dos barracões, porque nem todos têm acesso a essa educação formal, mas existem muitas pessoas dentro das comunidades que precisam trabalhar e aprender um ofício. Então, eu acho que é necessário que se tenha essas oficinas pensadas pelas escolas para que cada vez mais a gente consiga formar profissionais preparados para fazer essa grande festa com qualidade, com responsabilidade e com tudo que esse espetáculo merece”, deseja o carnavalesco.
Em relação a um possível contexto de crise econômica se aprofundando após a pandemia, Tarcisio aponta uma retomada do trabalho mais artesanal como caminho para driblar as dificuldades impostas por uma eventual diminuição de recursos.
“As incertezas financeiras são muitas. Mas, aí é que mora a questão e aí que mora a origem do carnaval. Eu acho que cada vez mais a gente precisa olhar para a nossa origem para entender o nosso futuro. O carnaval sempre foi feito de uma forma muito artesanal. E a gente já está sentindo muito essa dificuldade do mercado. De não termos produtos que a gente tinha antes com muita facilidade. Produtos oriundos da China, com grande efeito, e cada vez mais a gente vê a indústria local refazendo esses produtos e até aprimorando. Hoje a gente tem um fornecedor, por exemplo, em Nova Friburgo que faz os mesmos galões que são produzidos na China. Hoje, a gente já criou uma formula dentro do nosso barracão para produzir um paetê artesanal”, conta Zanon.
O carnavalesco destaca que esse momento pode ajudar a trazer oportunidades para a criação de uma nova mão de obra desenvolvida dentro das comunidades. A própria Viradouro tem seguido essa linha de utilizar cada vez mais seus colaboradores já na produção do protótipo, seguindo, é claro, todo o protocolo sanitário contra a Covid-19.
“Então, o que eu acredito é que cada vez mais o carnaval vai precisar ser artesanal por conta da falta de materiais importados que o mercado não está conseguindo prover. E isso é muito positivo, porque acaba que a gente aquece a mão de obra. A gente consegue empregar muito mais pessoas e esse é o nosso ideal em um momento que as pessoas precisam retomar a vida, retomar a economia de casa, levar o pão para casa. E, assim, nós temos construído esse carnaval. Esse próximo carnaval, fazendo um trabalho bem artesanal, que a gente possa empregar bastante dos nossos colaboradores, desses tantos artistas que precisam tanto desse trabalho e isso tem sido muito positivo, esse momento de criação”.
Veja abaixo mais propostas do artista:
Uso de tecnologia e carnaval como espetáculo multimidiático
“Eu vou me basear um pouco no que aconteceu lá atrás, pois até foi um estudo que a gente está fazendo sobre o Carnaval de 2019, que foi quando a economia criativa do país se diversificou. No período de 1918, o Brasil não produzia sapatos e, por conta da pandemia e da não importação, começou-se a produzir artesanalmente os sapatos no Brasil. E, acredito que todo esse problema financeiro que a gente tem passado, e esse problema também de pandemia que veio afetar ainda mais, a economia do carnaval tem se mostrado de uma forma muito eficiente para a criatividade dos artistas. A gente percebe que cada vez mais a gente tem tecnologia local e que isso acaba que vai ser empregado também no carnaval. E vai desenvolver também a indústria de tecnologia local. Então, eu não acredito que no futuro, por conta das crises financeiras e dos problemas que o carnaval enfrenta, que essas tecnologias possam cair, mas sim que elas possam se reinventar ou se ‘abrasileirar’, se é assim que eu posso dizer”.
Utilização de enredos com maior presença de crítica social
“Acredito que exista espaço para todo tipo de enredo. As vezes a gente rotula muito os enredos. Mas eu acho que a gente precisa buscar alcançar todo o tipo de público. Sempre que eu penso em enredo, eu penso que o enredo tem que tocar em todos. Ele tem que alcançar, ele tem que se comunicar com toda a camada da sociedade. Quanto mais diversos forem os enredos, mas a gente vai conseguir atrair público e fomentar a economia do carnaval, e atrair amantes do samba. Então, eu acho que existe espaço para o enredo histórico, existe espaço para o enredo lúdico, existe espaço para o enredo social, o importante é que a gente tenha diversidade para o enredo afro também, o importante é que a gente tenha diversidade para que a gente possa alcançar todos os públicos e para que o carnaval venha a continuar sendo o maior espetáculo da terra, que a gente possa crescer cada vez mais com esse grande espetáculo”.
Trabalho de barracão
“Eu vejo o carnaval cada vez mais feito por mãos humanas. E, eu digo, assim, substituindo totalmente as máquinas. As máquinas de bordado, isso cada vez mais vai ser feito à mão, a criação de novos produtos para o carnaval. Hoje existe também a questão da pluma ecológica, das penas ecológicas, então tudo isso é produzido por mãos humanas e isso é muito bacana. Eu prevejo um carnaval no futuro cada vez mais sustentável, cada vez mais ecológico, cada vez mais reciclável, e cada vez mais artesanal. E vejo isso como uma possibilidade incrível para mão-de-obra do brasileiro, do artista brasileiro, do profissional de cultura”.
Desejos para o futuro
“Eu desejo para o Carnaval que cada vez mais as comunidades estejam próximas de suas escolas, que não existam abismos entre a escola e a comunidade. Que isso esteja cada fez mais integrado e que o carnaval seja mais democrático, que as pessoas que realmente se dedicam o ano todo a esse trabalho possam ter acesso às arquibancadas, aos locais privilegiados dos desfiles e que isso possa acontecer de uma forma cada vez mais natural e economicamente viável. E que essa festa cresça, que os cariocas e os brasileiros possam cada vez mais entender o potencial que é o carnaval, não só economicamente, não só culturalmente, mas também psicologicamente para a população mundial”.
Ouça o papo completo abaixo em formato de podcast: