O último ano de desfiles do carnaval de São Paulo contou com uma novidade. Além da escola de samba Águia de Ouro dividir o palco entre as campeãs do Grupo Especial, 2020 também mudou a forma que muitas baterias consideravam a receita perfeita pra garantir a nota máxima no quesito. No começo do ano passado, a Liga-SP  apresentou publicamente mudanças e a inserção do item “Performance”. A intenção era estimular variantes de ritmos das baterias durante a passagem na cabine do julgador. Variante, no caso, pode ser considerada como bossa, arranjo ou paradinha, com mais de 16 compassos pra que atingisse a nota máxima.

Pouco menos de um ano após os desfiles, já podemos fazer balanços e análises dos pontos ocasionados pela mudança. O principal, e inegável, é que a mudança retirou a bateria da zona de conforto. A realização de variantes longas expõe a bateria ao erro, o que exige um amadurecimento rítmico. A sensação de apreensão de dentro, provocou um êxtase, empolgação e interação de quem assistia, por exemplo, nas apresentações de baterias como da Mocidade Alegre, Vila Maria, Tom Maior. É um caminho traçado na direção do carnaval também voltado para o espectador simples.

Para nos ajudar a compreender o cenário através do ponto de vista do Mestre, conversamos com o Rodrigo Moleza, Mestre de bateria da Unidos de Vila Maria, sobre a interação com o público.

“A festa é feita pro povo, ele precisa interagir com a bossa, coreografia. A gente precisa sustentar o samba-enredo, mas também transmitir alegria e emoção para a arquibancada. Ver a interação da plateia dá uma sensação de dever cumprido. Tem dado certo, a galera vem gostando e a ideia é continuar fazendo arranjos desse tipo”, afirmou.

Podemos dizer que de fato o item performance funcionou, mas não significa que a aprovação foi absoluta entre as pessoas que estão envolvidas diretamente no trabalho de baterias. Um ponto levantado é se o grau de dificuldade de uma bossa seria considerado pelo jurado, afinal, o regulamento “valoriza a melhor performance musical com ousadia”.

Após as reuniões de esclarecimentos, notou-se que a “ousadia” seria aquilo apresentado fora do convencional. Ou seja, independente se a paradinha é complexa ou se apenas zerou os surdos, a bateria é considerada pelo item.

Mestre Moleza opina sobre o critério e considera que a boa execução privilegia o julgamento.

“A performance veio pra valorizar a criatividade, ousadia e, ao contrário do que muitos pensam, acaba privilegiando a boa execução das baterias como um todo. Foi o início de uma mudança necessária, e com isso conseguimos evoluir ainda mais no julgamento”, finalizou.

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Para que estruturemos um pensamento que leve em consideração o grau de dificuldade, automaticamente direcionamos a discussão para a subjetividade. Apenas o jurado poderá responder se a determinada execução é complicada ou não.

Em todo exercício de reflexão, é necessário considerar os mais diversos pontos antes de definir uma linha de pensamento. No caso de um regulamento de escola de samba, existem pontos implícitos a serem considerados antes de qualquer mudança. Na minha visão, o mais grave é o aumento da disparidade entre agremiações. Limitar a opinião ao Grupo Especial, é ignorar o trabalho de agremiações em níveis inferiores. O trabalho coletivo, como é o caso da bateria de escola de samba, exige tempo, esforço, estrutura e, o principal, presença constante do ritmista. Por falta de tempo de trabalho, acabam optando por uma linha de apresentação mais simples e segura, o que não seria o bastante para a nota máxima. É necessário traçar linhas de pensamentos que partem de diferentes pontos de vistas.

A real pergunta é: Como exigir mais complexidade sem que dispare a diferença estrutural de uma bateria?

Um fator que demonstra progresso é a maior aceitação de diferentes ritmistas e projetos de formação para crianças da comunidade. Com a crescente de participações e frequência nas atividades da bateria, conseguimos traçar linhas ainda mais técnicas para o julgamento.

Mestre Marcel Bonfim, da bateria do Morro da Casa Verde, exemplifica a afirmação através da própria evolução do trabalho na escola.

“A gente participou do Grupo de Acesso 2 durante quatro carnavais, e no primeiro a escola não obteve um resultado legal. Porém, no ano seguinte a escola ficou em terceiro lugar, o pessoal foi acreditando no trabalho e criamos a escolinha. Colhemos alguns frutos, fizemos parcerias. Hoje 70% da bateria frequenta”, relatou.

Ouça abaixo o podcast:

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