O Grammy Latino divulgou, nesta semana, a lista completa dos indicados para a premiação, considerada uma das mais relevantes no cenário musical internacional, no ano de 2020. Entre os concorrentes, chama a atenção o fato de figurarem artistas e trabalhos relacionados ao universo do carnaval carioca, mais especificamente das escolas de samba.
Um dos exemplos é o álbum “Mangueira – A Menina dos Meus Olhos”, da cantora baiana Maria Bethânia, lançado em dezembro do ano passado, que disputa na categoria “Melhor Álbum de Samba/Pagode”. Totalmente dedicado à Estação Primeira, o disco reúne obras de grandes artistas mangueirenses, que exaltam a escola em suas letras, além de trazer regravações de sambas-enredo da Verde e Rosa, como o que homenageou a própria Bethânia em 2016 e rendeu o campeonato para agremiação.
O site CARNAVALESCO conversou com o jornalista e escritor Leonardo Bruno que falou da relevância e do significado para as escolas de samba, de um trabalho como o da Bethânia, ser indicado ao Grammy Latino. “É sensacional. Para a gente, sambista, é muito importante, porque este disco reforça o que a escola de samba tem de mais valioso, que talvez seja o que está mais esquecido nos últimos tempos, que é a escola de samba como produtor cultural, a escola de samba como ponto de encontro dos sambistas para produzirem cultura, para produzirem arte, música, ritmo, dança”, avaliou.
“Quando a Bethânia faz um disco só sobre Mangueira, utilizando compositores de Mangueira, utilizando sambas que foram cantados em desfile da Mangueira, ela ressalta que esse lugar é um produtor de conteúdo fundamental da nossa cultura. Então assim, essa imagem da Mangueira que vai para o mundo, o mundo que observar isso, que existe um disco da principal cantora brasileira feito apenas com músicas produzidas por essa escola, isso vai chamar a atenção para algo que é o que a gente mais precisa neste momento: que são as escolas de samba como agremiações que produzem bens culturais. Neste sentido, é fundamental. Fora, claro, tudo que envolve isso. O reforço das obras dos compositores, tanto as lendas como Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, mas também os que estão aí; e o recurso da marca, que para Mangueira é uma coisa espetacular”, defendeu Leonardo Bruno na sequência.
Outro fator que se destaca no trabalho de Bethânia em tributo à Mangueira é a regravação, não só do samba que foi para Sapucaí, mas de outras duas obras que participaram da disputa para embalar o desfile sobre a cantora em 2016. No caso, sambas concorrentes escritos por dois baluartes da Verde e Rosa: Tantinho (falecido em abril deste ano) e Nelson Sargento.
Questionado se isto poderia simbolizar um retorno à tendência de regravações de sambas-enredo por nomes da Música Popular Brasileira (MPB), Leonardo Bruno opinou que não exatamente. “Em relação ao samba-enredo de 2016, eu não concordo que é um sinal do retorno a essa tendência, pelo fato de ter sido um samba feito em homenagem a ela (Maria Bethânia). Então, é como quando os Doces Bárbaros foram homenageados e gravaram o samba”, alegou o jornalista.
Porém, logo em seguida, Leonardo Bruno ressaltou outra obra também presente no disco de Bethânia indicado ao Grammy. “Mais importante, neste sentido, é a gravação do samba da Mangueira de 2019. E a Bethânia não foi a primeira gravar. A Marina Íris, cantora carioca, incluiu no disco dela lançado no ano passado, chamado ‘Voz Bandeira’, a gravação do samba de 2019, ‘História para Ninar Gente Grande’, com a participação da Leci Brandão. Então, essa gravação sinaliza isso: um samba-enredo gravado por um nome da MPB, retirado do contexto do desfile e encarado como obra Então, esse samba é mais simbólico neste sentido”, afirmou.
Leonardo Bruno prosseguiu a sua linha de raciocínio e relembrou também outros casos recentes de sambas-enredo que ultrapassaram a bolha carnavalesca. “O samba da Portela de 2012, ‘E o povo na rua cantando…’, foi regravado também. O Martinho (da Vila) sempre grava os sambas dele, foi assim com os sambas de 2013 e 2016. O samba da Tuiuti de 2018, sobre a escravidão, foi cantado em muitos shows. Estes foram sambas que começaram a sair um pouco da bolha, mas isto tudo é muito tímido. Não dá nem para comparar, ou chegar perto do que foi, dentre os anos 60 e 90, com relação a gravação de sambas-enredo por nomes da MPB. No entanto, é um sinal de vitalidade das obras. Existe mais gente olhando para elas, tanto que começam a ter uma vida fora do Carnaval”, apontou.
Todavia, o álbum de Maria Bethânia dedicado à Mangueira não é o único a dialogar com as escolas de samba. Na mesma categoria, concorrem trabalhos de Martinho da Vila, Moacyr Luz, Zeca Pagodinho e Cláudio Jorge. Todos nomes ligados ao Carnaval carioca.
“É muito importante que fique sempre patente essa relação dos sambistas de mediano com as escolas de samba. É fundamental as figuras do Moacyr, do Martinho, do Zeca, a relação dele com a Portela… O outro indicado, que é o Cláudio Jorge, também tem uma relação muito forte com uma escola de samba, que é a Vila Isabel… Isso pro Carnaval é muito importante. A gente perdeu durante algum tempo essa relação forte. Você vê que os sambistas da nova geração tem uma relação muito tímida, muito acanhada com as escolas de samba. A maioria dos sambistas da nova geração, que veio depois do Dudu Nobre e do Xandy de Pilares, não são mais os sambistas das escolas de samba”, argumentou Leonardo Bruno.
A cerimônia de premiação do Grammy Latino 2020 acontece em 19 de novembro, de maneira remota, devido a pandemia do novo coronavírus. Além dos nomes já citados, outros brasileiros indicados foram Elza Soares, Zeca Baleiro, Ney Matogrosso, Margareth Menezes, Caetano Veloso, entre outros.