InícioGrupo EspecialMangueira em doce Tom

Mangueira em doce Tom

Mangueira vai deixar saudade
Quando o carnaval chegar ao fim
Quero me perder na fantasia
Que invade os poemas de Jobim
(Trecho do samba enredo da Mangueira em 1992)

Domingo de carnaval, terceira a desfilar, a escola de Cartola despontava na esquina da Marquês de Sapucaí com as suas tradicionais cores e apostando em uma “receita”, diria alguns, em um “tiro certo”, diria outros, enquanto para os seus desfilantes e torcedores, se tratava apenas de mais um desfile, mais um ritual, mais uma catarse, mais uma síntese do que uma escola de samba se propõe a estabelecer: festa. Como toda boa festa, precisa ter música e gente alegre, animada e disposta a curtir a gandaia. A trilha sonora era o samba claro, mas com uma boa dose de bossa nova. Tom Jobim e sua discografia com as suas inspirações, poesia e lirismo era o enredo e o caminho que a Mangueira trilhava em 1992. Após os bem sucedidos e vitoriosos desfiles a Braguinha, Caymmi e Carlos Drummond de Andrade, a verde rosa vinha de uma 12ª colocação, e pretendia na homenagem ao maior compositor da Bossa Nova recuperar as boas apresentações.

A fase pré-carnavalesca foi marcada pelo lançamento de um disco duplo “No Tom da Mangueira”, no começo da década de 1990 era a principal forma de divulgação de músicas, onde Tom Jobim e outros nomes da MPB cantavam clássicos do samba e da Mangueira. Destaque para “Piano na Mangueira”, composição feita em retribuição a escola e em parceria com Chico Buarque, o mesmo que seria homenageado seis anos depois do parceiro, quebrando o jejum do título. No entanto, para muitos, o ponto alto foi um recital com direito a piano em pleno Palácio do Samba reunindo Alcione e Beth Carvalho ao homenageado, além, claro, da bateria, consagrando a sinergia que marcaria o desfile daquele ano.

Esta Sinergia foi embalada pela composição do trio imbatível de Mangueira. Hélio Turco, Jurandir e Alvinho, campeões nas disputas de sambas-enredo na verde rosa nos anos de 1988 (Cem anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão?), 1990 (Sinhá Olímpia), 1991 (As Três Rendeiras do Universo) e por fim em 1992. Antes da parceria, Hélio Turco havia escrito os hinos de Mangueira por outras 12 vezes. É bem verdade que nos meses anteriores ao desfile não era dos sambas mais tocados e comentados, porém a Estação Primeira contava com o considerado maior intérprete de todos, José Bispo Clementino dos Santos, simplesmente Jamelão. Na voz inigualável, de timbre inconfundível, versos como “É carnaval, É a doce ilusão, É promessa de vida no meu coração”ecoaram e se potencializaram entre os componentes e o público que cantava e sambava, num tempo em que a Sapucaí caía no samba no pé.

O carnavalesco Ilvamar Magalhães propôs um enredo discográfico, ou seja, buscando a essência e o encantamento presentes na obra de Tom. Dessa forma, se o amor, ou melhor, os amores pela natureza, pelo do Rio de Janeiro, pelos amigos e pelas mulheres marcavam a sua obra, estas seriam a sua alma a ser contada na avenida através da Mangueira. Assim, o desfile começou com os símbolos visuais da Estação Primeira, o surdo, as folhas, a coroa e as estrelas, representando os até então 16 campeonatos. Na sequência, o olhar sobre a paisagem que tanto inspirou o poeta, o sol, o mar e a montanha da cidade que “insiste em ser maravilhosa”.

Com o encantamento vem a inspiração, e assim a segunda parte do cortejo investiu na sua obra e produção. Primeiro nos inúmeros clássicos e sucessos produzidos na companhia e parceria dos amigos, como o inseparável Vinicíus de Moraes, presente na terceira alegoria, reinando nu sobre o bar em que cada destaque representava uma bebida alcoólica. Tinha o “Uísque”, o “Chope”, o “Aniz”, a “Vodca”, o “Conhaque” e a “Menta”. Todos reunidos ao redor da “Garota de Ipanema”, Helô Pinheiro, a própria. Era a deixa para citar todas as musas de Tom, às Dindís, às Luizas, às Lígias. Da música, passando pelo teatro com a referência a Orfeu da Conceição, mais uma parceria bem sucedida com o amigo diplomata Vinícius ao sucesso internacional, a discografia de Tom ganhava vida agora nos pés e nas vozes dos 4.500 componentes da Mangueira.

A natureza, com a sua fauna e flora modelou o encontro do homenageado com o público presente na Sapucaí. No alto do carro alegórico, Jobim e o inseparável piano branco, numa referência a obra composta com Chico Buarque, em retribuição a verde rosa foi o cenário poético emoldurado naquele domingo de carnaval. Para encerrar, o que vem depois do carnaval, senão março com as suas águas, tão declamadas pelo poeta e por tantos outros. Seja fechando o verão, ou o desfile da Mangueira, “As águas de março” foram a deixa para a Estação Primeira declamar o seu verso mais bonito em 1992: “Ah!Tom, se todos fossem iguais a você”. Como a poesia também é feita de lamento, a empolgante e belissíma apresentação da Estação Primeira não foi o suficiente para a participação no Sábado das Campeãs, visto que a 6ª colocação não era premiada na década de 1990.

Autor: Rafael Guedes, Mestre em Ensino de História/UniRio; membro OBCAR/UFRJ
Orientador: Max Fabiano Rodrigues de Oliveira, Doutorando em História/UFRRJ,
Pesquisador OBCAR/UFRJ.
Instagram: @obcar_ufrj

- ads-

Conheça o enredo da Independente Tricolor para o Carnaval 2025

A Independente Tricolor anunciou na noite desta quarta-feira o enredo para 2025: "Gritos de resistência", que será desenvolvido pelo carnavalesco André Marins. Veja abaixo...

Daniel Silva é o novo intérprete da Inocentes de Belford Roxo

Daniel Silva volta para Inocentes de Belford Roxo como intérprete oficial. Ele fez parte do carro de som da agremiação em 2004, como apoio...

Conheça o enredo da Mancha Verde para o Carnaval 2025

A Mancha Verde apresentou na tarde desta quarta-feira o enredo para o Carnaval 2025. A escola levará para o Anhembi no ano que vem...