O samba ecoou ainda mais forte na Estrada do Portela. Na noite do último domingo, a Portela abriu a temporada de ensaios de rua e fez vibrar Oswaldo Cruz e Madureira. A comunidade cantou em coro o samba de 2026, guiada pela voz melodiosa e presença generosa de Zé Paulo Sierra, novo intérprete da escola. Com uma comissão de frente que demonstrou vitalidade e precisão nos movimentos e o casal de mestre-sala e porta-bandeira evoluindo com cumplicidade, a escola inaugurou um novo capítulo de sua centenária história. Em 2026, a azul e branco levará à Sapucaí o enredo “O Mistério do Príncipe do Bará — A oração do negrinho e a ressurreição de sua coroa sob o céu aberto do Rio Grande”, assinado pelo carnavalesco André Rodrigues. A Portela será a terceira escola a desfilar no domingo de varnaval.
* Seja o primeiro a saber as notícias do carnaval! Clique aqui e siga o CARNAVALESCO no WhatsApp
Em entrevista ao CARNAVALESCO, o presidente da agremiação, Júnior Escafura, avaliou o primeiro treino da temporada. “Estou muito feliz com esse primeiro ensaio, porque a gente olha e vê o componente satisfeito, berrando o samba, evoluindo, brincando. É isso que a gente quer: uma Portela solta, alegre, divertida, carregada no dendê. Acho que a Portela nunca tinha saído tão cedo, geralmente a escola vem para a rua entre o meado e o fim de novembro, mas antecipamos o nosso planejamento para que a gente possa fazer um Carnaval grandioso como a Portela”, declarou Escafura, que assumiu a presidência da escola em maio.

Sobre a atual fase da agremiação, Escafura enxerga um movimento de resgate da raiz e de modernização da maior campeã do Carnaval. “Não sei se seria uma nova Portela, acho que pode ser que seja a velha Portela. A escola está resgatando a sua essência, a sua raiz, mas sem perder a modernidade. A Portela tem fala de ser a escola que emociona. A gente quer emocionar e ao mesmo tempo ter aquela energia de escola que briga pelo título”.
Comissão de frente

Com a coreografia de Cláudia Mota e Edifranc Alves, a comissão de frente da Portela abriu o ensaio de rua com energia contagiante e movimentos precisos. O grupo apresentou uma performance que mesclou a dança dos orixás com gestos coreográficos inspirados no refrão principal, como o braço na parte que se canta “carregada no dendê” e o movimento das mãos evocando a coroa de Bara. Essa fusão entre gestualidade sagrada e popular foi executada com o samba na ponta da língua, cantado com força e entrega, equilibrando presença cênica e participação comunitária.
Mesmo sem apresentar ainda a coreografia oficial, Mota e Alves já deixaram ver a preocupação com a cabine espelhada do novo modelo de julgamento. A coreografia incluiu aberturas de roda, giros e interações que dialogavam com o público dos dois lados da rua, sinalizando uma encenação pensada para os dois lados da Sapucaí. Vitalidade, precisão e diálogo com o público marcaram a apresentação, um dos quesitos mais vibrantes da noite.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
O casal Marlon Lamar e Squel Jorgea mostrou, no primeiro ensaio de rua, uma dança marcada pela cumplicidade e sintonia. Os dois evoluíram com leveza e presença, deixando transparecer o resultado de um trabalho de estudo e preparação contínua. A cada giro e entrelaçamento de braços, o casal parecia reafirmar o elo de confiança que sustenta a condução do pavilhão portelense.
Se a comissão de frente trouxe o refrão principal em seus movimentos, o casal dialogou com outros momentos do samba, incorporando gestos que traduzem musicalidade e ancestralidade. No trecho que evoca o terreiro e a fé nos orixás, Marlon e Squel saúdam o chão da Estrada do Portela. Uma apresentação elegante, que fez do pavilhão um símbolo vivo da espiritualidade e da memória portelense.

Squel destacou a dimensão técnica dos ensaios de rua no processo do casal: “A rua é sempre um grande ensaio. Um grande teste. É aqui que a gente alinha tudo: o canto, a evolução, acerta detalhes, vê o que pode e o que não pode. Hoje foi um primeiro grande teste para a gente. Agora sai daqui, vai estudar os vídeos, ver o que deu certo, o que não deu, o que pode melhorar, o que precisa mudar. Hoje aqui é o grande teste”.
Para Marlon, é na rua que o carnaval começa a pulsar de verdade. “Eu começo a sentir que o Carnaval está chegando quando a gente volta pra rua”, afirmou o Mestre-sala, que define Madureira como “a capital do samba, o lugar onde tudo pulsa, onde o povo faz o Carnaval acontecer”. Ele vê o ensaio de rua como um reencontro entre a comunidade e a águia portelense: “Estar aqui é me sentir em casa, é o encontro mais simbólico entre a comunidade e a nossa águia”. Sobre o trabalho apresentado, Marlon destacou que o casal levou “o corpo da coreografia, ainda com coisas para aprimorar, mas já mostrando um pouco do grande espetáculo que queremos levar pra avenida”. E concluiu: “Vai ser um ano emocionante, de muita dança, ancestralidade e criatividade. Uma Portela viva, quente, carregada no dendê”.
Harmonia e Samba-Enredo
O primeiro ensaio de rua evidenciou um dos maiores trunfos da Portela neste início de temporada: o canto forte e vibrante de sua comunidade. A voz azul e branca tomou conta da Estrada do Portela com potência e emoção, especialmente nos refrões do samba, entoados com intensidade e alegria, como em “Não há demanda que o povo preto não possa enfrentar”. No decorrer do samba, há uma leve queda no volume, mas o canto segue presente, demonstrando que o samba de 2026 já está bem trabalhado na boca do portelense.
O destaque da noite foi o novo intérprete, Zé Paulo Sierra, que conduziu o ensaio com generosidade e carisma. Com uma postura afetuosa, Zé Paulo dialogou com a comunidade. Em certo momento, convidou os moradores dos prédios da Estrada do Portela a acenderem e apagarem as luzes de seus apartamentos, fazendo com que os edifícios piscassem. As luzes piscando dos prédios sintetizaram a acolhida da comunidade e marcaram o início de uma nova relação entre cantor e escola.

Em um momento em que a Portela ainda vive o luto pela perda de Gilsinho, sua maior referência de voz, Zé Paulo chega com humildade e serenidade, conquistando espaço pelo afeto e pela presença.
“Tudo é muito novo pra mim. Sou um privilegiado por estar aqui, vivendo esse momento. O Gilsinho era um irmão, um baluarte do samba. Nada disso estaria acontecendo se ele estivesse aqui. Então vivo cada segundo como se fosse o último, com respeito, com gratidão e com amor à Portela”, declarou Zé Paulo.

Evolução
Com um trajeto menor, devido à realização da Feira das Yabás nas proximidades da Portelinha, a Portela fez seu primeiro ensaio de rua para 2026. A passagem mais curta, porém, não diminuiu o brilho da noite, apenas reforçou um ponto fundamental para o desenvolvimento da escola: a necessidade de fluir. A Portela precisa evoluir de forma mais leve e natural, permitindo que o componente se sinta à vontade para brincar, cantar e dançar, sem rigidez.
O samba já está na boca do portelense, o canto vem forte e espontâneo. O desafio, agora, é transformar esse canto em movimento. Deixar que o samba se corporifique e guie o passo da escola, para que a alegria conduza a evolução.

Alguns fatores externos, no entanto, ainda interferem nesse processo: a geografia da Estrada do Portela, com suas curvas e estreitamentos, e a presença do público, que mesmo com a rua gradeada, por vezes avança sobre o espaço da escola. Encontrar essa fluidez será fundamental para que a águia voe solta e harmoniosa nos próximos ensaios.
Outros Destaques

Entre os destaques da noite, brilhou a rainha de bateria, Bianca Monteiro, uma das presenças mais queridas da Portela. Mais do que a imponência de seu samba no pé, Bianca reafirmou o laço afetivo com a comunidade, em especial com as crianças portelenses. Durante o ensaio, sambou com as pequenas da Estrada do Portela, posou para fotos e distribuiu abraços, gestos de quem pertence ao cotidiano da azul e branco.
“Tem crianças aqui que eu peguei no colo e hoje estão sambando comigo. Estou há nove anos à frente da bateria e vejo essas meninas crescendo, se tornando parte da escola. É muito bonito ver o carinho, esse amor, essa troca. Todo dia eu rego essa relação com a comunidade, porque lidar com pessoas é regar amor e respeito. A Portela mexe com a alma das pessoas, e é com essa energia que eu quero seguir”, disse Bianca ao CARNAVALESCO.

Outro destaque foi a presença de John Sorriso, muso LGBT da Corte do Carnaval Carioca 2026, que participou do ensaio como destaque da ala de passistas. Carismático e vibrante, John somou energia e diversidade à noite portelense, reforçando o espírito de inclusão e alegria que marca a nova fase da azul e branco.









