A Mancha Verde completou 30 anos no último sábado e comemorou com sua comunidade em um evento que se tornou histórico não apenas pela data simbólica, mas também por conta de uma importantíssima mudança nos quadros da agremiação. Desde 2014 como mestre-sala da escola, Marcelo Silva despediu-se da comunidade e, literalmente, passou o bastão para Thiago Bispo, que estará à frente do quesito ao lado de Adriana Gomes. Presente em todos os eventos de alta magnitude do samba paulistano, o CARNAVALESCO acompanhou a celebração, que também marcou o primeiro ensaio da Mancha Verde para o Carnaval 2026, quando a agremiação reeditará o enredo “Pelas mãos do mensageiro do axé, a lição de Odu Obará: a humildade”, apresentado originalmente em 2012.
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Tomada de decisão
Perguntado sobre quando decidiu deixar de ser mestre-sala, Marcelo abriu o coração: “Eu costumo falar que não foi quando eu tomei a decisão de parar, eu falo que foi quando eu tive coragem. Eu já venho amadurecendo essa ideia desde o pós-Carnaval de 2023, e, em 2024, aconteceu tudo o que aconteceu. Acho que não foi por acaso, foi providencial e eu só não tinha coragem. Quando comecei a pensar em me despedir, senti que era o fechamento de um ciclo, graças a novos ciclos que se abriram na minha vida: em relação ao trabalho, à continuidade dos meus estudos, a novas responsabilidades. Eu teria que aceitar as novas oportunidades da minha vida ou deixar algumas coisas”, comentou.
Antes da decisão, muita reflexão aconteceu: “Pensei em várias situações e na minha história no Carnaval de São Paulo, que eu considero muito bonita. Por tudo isso, eu venho amadurecendo a ideia. Em 2025, voltei a desfilar e desfilei com muito orgulho. Após o Carnaval, conversando com o presidente e com a Adriana, tive coragem de tomar essa decisão. Não foi nada ligado a chateação, cobrança ou pressão, muito pelo contrário. Já são 32 anos de Carnaval, eu não poderia ir para o meu 33º ano sem me dedicar como me dediquei nos 32 anteriores”, disse.
Lembranças
A noite da sexta-feira de Carnaval de 2024 foi marcante por uma série de motivos. Um deles foi a notícia de que Marcelo estava vetado do desfile por ter contraído dengue. Para substituí-lo, Thiago foi destacado e conseguiu a nota máxima no quesito.
É claro que tal situação foi lembrada por Marcelo ao ser perguntado se a escolha da Mancha Verde por Thiago, então segundo mestre-sala, foi óbvia: “A escolha pelo Thiago foi óbvia não apenas pelo Carnaval de 2024: ela foi óbvia pelo gabarito do Thiago, pelo mestre-sala que ele é. Ele vem crescendo desde lá de trás, quando começou com a gente. Mesmo se não tivesse acontecido o que aconteceu em 2024, se ele não tivesse assumido e trazido as notas, com certeza o óbvio também seria o Thiago. Não tinha por que ser outra pessoa, sendo que a gente tem alguém na casa com condição de assumir o primeiro cargo. Não seria justo da minha parte nem da escola trazer alguém de fora se há uma pessoa preparada”, afirmou.
Marcelo seguiu desenvolvendo o raciocínio: “Eu estou aqui para passar o bastão para o Thiago, e o fato de a escolha ser óbvia tem a ver com eu não saber se aceitaria passar o pavilhão para alguém de fora. Não como desrespeito a quem vem de fora, não é isso. É porque eu sou um mestre-sala de tradição. Em todas as escolas pelas quais passei, recebi um bastão para assumir aquele posto. Uma das histórias mais lindas da minha vida é ter recebido o bastão das mãos do Gabi e da Vivi, o Casal do Milênio do Carnaval de São Paulo. Se fosse alguém de fora, eu daria meu apoio, mas não me sentiria tão bem quanto estou me sentindo hoje, passando o pavilhão para alguém da escola e que, agora, ficou óbvio que tinha que ser ele”, frisou.
Thiago relembrou como foi ser o primeiro mestre-sala naquele desfile: “Em 2024, a gente foi pego de surpresa. A gente não tinha a mínima ideia de que isso ia acontecer, e não gostaria que acontecesse. Primeiro ponto: a gente sabe que o Marcelo e a Adriana têm uma garantia de nota, uma segurança muito maior. Segundo ponto: a gente teve um dia e meio (e olhe lá) para fazer um trabalho. Eu e a Adriana dançávamos em eventos aqui e ali, mas nunca com essa responsabilidade. Tivemos dificuldades naquele desfile, mas, graças a Deus, conseguimos superar”, relembrou.
“Se a gente pegar aquele mini trabalho de menos de 48 horas para cá, é outra dança. Estamos fazendo um preparo diferenciado, colocando mais energia, trabalhando bastante sincronismo. Demanda mais tempo, até porque a Adriana e o Marcelo tinham um estilo de dança e uma forma própria de pensar. Quando troca a parceria, é uma nova linha de raciocínio. A gente está criando a nossa dança, e espero que seja agradável para todo mundo. Eu, particularmente, estou gostando. É um trabalho novo, muito diferente. Como o Marcelo falou, é uma nova mentalidade. Quando você é segundo mestre-sala, tudo é mais rápido; como primeiro, já é diferente: você tem tempo para elaborar, precisa ter mais qualidade nos movimentos para que tudo saia perfeitamente. Estou adorando e espero que vocês gostem quando verem”, completou.
Concordâncias
Agora com novo mestre-sala, Adriana Gomes, porta-bandeira da Mancha Verde, concordou com o antigo companheiro: “A gente fala muito que está numa escola de samba. E, quando a gente está numa escola de samba, tem aquela comunidade, o ensinamento. Eu acho que sim, era óbvia a escolha pelo Thiago. E faz parte da história de uma escola de samba um passar para o outro e é isso o que está acontecendo. A história que o Thiago construiu dentro da Mancha Verde foi de crescimento e de construção, para chegar até onde ele chegou. Em um Grêmio Recreativo e Cultural, você aprende e ensina; a gente passa e aprende também. Essa troca é o que faz chegar ao resultado final”, destacou.
O presidente da instituição, Paulo Serdan, foi pelo mesmo caminho: “Foi uma decisão óbvia, sim. Até porque seria desleal, por parte da entidade, se não fosse. O tempo todo que ele se dedicou à escola, quando a gente teve o Marcelo com dengue e ele pulou, se entregou, ensaiou e se dedicou demais. O Thiago tem o mesmo perfil de caráter do Marcelo. Na minha cabeça, sempre foi um pensamento reto de que o Thiago ia ter a vez dele”, comemorou.
Data especial
Além do aniversário da própria escola, Thiago lembrou que o 18 de outubro é especial por outro motivo que também tem a ver com a “Mancha Guerreira”: “Antes de vir para cá, em casa, eu estava pensando sobre toda a minha trajetória. Exatamente hoje eu completo 11 anos de escola: nessa data, fui apresentado como terceiro mestre-sala. E eu sou uma pessoa privilegiada por ter um primeiro casal como o Marcelo e a Adriana, prestando todo o apoio, suporte, carinho e dicas que a gente vem recebendo durante anos. Você vai aprendendo um pouco a cada dia. Receber esse bastão do Marcelo, para mim, é muito gratificante. É uma forma de coroar tudo que a gente vem trabalhando desde os quatro anos de idade. Saber que uma pessoa tão gabaritada e multicampeã tem esse carinho, esse gesto, é essencial. Fico extremamente feliz”, declarou.
Mentalidade
Outro tema recorrente nas entrevistas realizadas pela reportagem foi o quanto assumir o posto de primeiro mestre-sala exige psicologicamente de um componente. Marcelo explicou:
“Quando a gente passa de segundo para primeiro casal, muita coisa muda. Tenho certeza de que ele já deve ter percebido isso. Até o psicológico muda! E ele é uma pessoa que tem condição para essa mudança. A condição de mestre-sala ele tem, sempre teve, independente de 2024. O óbvio está aí: é o Thiago. E não foi apenas uma decisão, foi também uma conversa com o presidente e com a Adriana e todos achavam isso óbvio”, disse.
Em outro momento, o antigo mestre-sala voltou a citar a parte mental como importante: “Ele tem a história bonita dele como mestre-sala e vai continuar com uma nova responsabilidade. Como eu disse, a cabeça fica completamente diferente, mas tenho certeza de que ele será e já é um grande mestre-sala. Agora, ele vai se consolidar como o grande mestre-sala que já é”, afirmou.
Adriana também destacou que, para ela, o novo companheiro exige adaptações: “Não é porque eu tenho mais experiência que vai ser do meu jeito. Um casal é uma construção, que tem que ser feliz para todo mundo. Se dançar sem estar feliz, não adianta, não tem dança bonita. Eu não sou automática, eu sou emoção. A dança tem todos os balizamentos, mas eu preciso ter emoção. Tenho que prestar atenção nisso: trazer essa mentalidade para ele, fazer com que entenda que, agora, ele é o centro das atenções. Eu assumi o primeiro pavilhão na minha vida há 23 anos, em 2003. Nesse processo, a gente tem que entender qual é o nosso lugar, o nosso caminho e a nossa posição. Eu tenho que ser a que abraça, que acolhe, que dá o caminho. Mas esse caminho eu tenho que construir junto com ele, senão, não faz sentido”, frisou.
Aos mestres, com carinho
Thiago fez questão de exaltar as qualidades do, agora, antigo primeiro casal da Mancha Verde, a começar por Marcelo: “Em 2024, antes de a gente entrar na pista, eu conversei com o Marcelo e peguei todas as dicas possíveis, todas as informações. A gente precisa entender nossa necessidade e aprender com quem tem conhecimento. Eu faço questão de estar com o Marcelo: mesmo ele não desfilando como mestre-sala, queremos ele próximo, é importante isso”, destacou.
Depois, foi a vez de Adriana: “A Adriana é uma porta-bandeira que eu conheço desde que me conheço como mestre-sala. E eu vou falar: ela me pegou no colo! Eu fico muito contente porque, além de ser uma das maiores porta-bandeiras do Carnaval de São Paulo e a história dela é inacreditável, ela também é uma amiga, uma pessoa que sempre esteve comigo. Mesmo em outras entidades, antes de chegar à Mancha, ela sempre esteve próxima, sempre frequentou minha casa, sempre teve muito carinho comigo e com a minha família. Fica difícil falar sobre a Adriana”, disse.
E, para encerrar, palavras que valem para ambos: “A única coisa que quero é agradecer a eles. O pessoal fala da elegância do Marcelo e ele é assim 24 horas. É uma pessoa sensacional, sempre teve um carinho incrível comigo. A gente sempre teve um quadro muito unido e conectado. E a Adriana é uma guerreira, aquela pessoa que a gente sabe: ela entra na pista e o mundo para para vê-la. Eu só tenho a agradecer”, comentou.
Outras questões
Adriana refletiu sobre a experiência e sobre tantos nomes históricos que passaram pelo segmento no carnaval paulistano: “Tem que ensaiar sempre! Mas, como ele falou, é uma diferença de estilos. São 28 anos que eu estou dançando e vi várias gerações. Peguei Dona Gilsa, Vivi, Gabi, Nenê, Sônia, Simone, Maria Inês… a cada hora eu vou construindo uma nova história que se alinha muito bem com a anterior. A gente está com quase quatro meses de ensaio e quatro quilos a menos. Está um processo muito coeso, com uma troca muito boa”, disse.
Por fim, Paulo Serdan revelou que, embora contasse com toda a confiança da presidência, a sucessão no cargo de mestre-sala nunca foi uma questão na Mancha Verde: “Até o anúncio do Marcelo, a gente nunca tinha conversado sobre o Thiago ser o primeiro mestre-sala. Nunca. E eu também nunca prometi nada para ele, até porque a gente tinha o Marcelo e a Adriana. Ele é muito correto. Estamos muito bem servidos, porque, além da dança, temos que preservar o que há de mais importante aqui: os seres humanos. Eu tinha certeza de que um dia seria ele e o dia dele chegou”, finalizou.
Noite estrelada
Intitulada internamente como “Bailar das Estrelas”, a noite teve direito a Parabéns a Você cantado em plena quadra por Fredy Vianna, intérprete da Mancha Verde, e bolo oferecido às crianças da comunidade. Antes das homenagens a Marcelo, a escola realizou o primeiro ensaio rumo ao desfile de 2026, com excelente resposta do público a um samba-enredo eternizado na história não apenas da agremiação, como também do carnaval paulistano, considerado por muitos o melhor da história da escola.
A homenagem a Marcelo também teve espaço para lembrar Mirian Acedo, antiga segunda porta-bandeira da agremiação e companheira de Thiago, vítima de um câncer no cérebro em 2024. Antes da roda de pavilhões com representantes de várias agremiações do Carnaval paulistano, o mestre-sala que se despediu da função bailou com porta-bandeiras de Unidos de São Lucas, Pérola Negra, Camisa Verde e Branco e Barroca Zona Sul, pavilhões que defendeu ao longo da carreira. Tudo isso sob o olhar de grandes nomes da história do samba paulistano, como o Casal Soberano (Gabi e Vivi), Raimundo Mercadoria e Ednei Mariano.
Após a passagem do bastão, evento tradicionalíssimo resgatado pela Mancha Verde para marcar a mudança de casal de mestre-sala e porta-bandeira, Paulo Serdan presenteou Marcelo com um pavilhão da escola e chamou Marcos Aurélio e Wender Luciano, coreógrafos da comissão de frente, para anunciar uma surpresa: a partir daquela data, Marcelo passaria a integrar o grupo responsável pelo segmento algo que ele já havia manifestado disposição para assumir.
Novo pavilhão
Para encerrar os marcantes 30 anos da Mancha Verde, Paulo Serdan anunciou oficialmente a mudança no pavilhão da escola: agora, a agremiação terá também duas estrelas alusivas aos títulos do antigo Grupo de Escolas de Samba Desportivas. Elas serão prateadas e ficarão centralizadas entre as vermelhas — que representam os dois títulos do Grupo Especial.