Entre a empolgação com a inovação e a cautela diante de um cenário ainda cheio de incertezas, coreógrafos da Comissão de Frente de dez escolas do Grupo Especial compartilharam com o CARNAVALESCO suas expectativas e preocupações sobre o novo modelo de julgamento do carnaval. A novidade é vista como uma oportunidade para dinamizar o desfile e ampliar a experiência do público, mas, para que as adaptações coreográficas e cenográficas sejam efetivas, os artistas destacam a importância de ter maior clareza nos critérios de avaliação.
* Seja o primeiro a saber as notícias do carnaval! Clique aqui e siga o CARNAVALESCO no WhatsApp

Definida em plenária da Liesa pelos presidentes das agremiações, a mudança estabelece que, no Carnaval 2026, as escolas terão três paradas diante dos jurados, em vez das atuais quatro, e passarão a contar com uma cabine espelhada no Setor 7, que avaliará as apresentações simultaneamente à do Setor 6. A alteração busca melhorar a fluidez dos desfiles e a experiência do público na Sapucaí, trazendo impactos diretos na concepção artística das apresentações.
Entusiasmo com a novidade
Com uma visão otimista, Patrick Carvalho, coreógrafo da Imperatriz, acredita que a cabine espelhada pode abrir novos caminhos para o quesito. “Todo mundo fala que a Comissão de Frente se perdeu. Talvez seja isso que venha para a gente encontrar um novo caminho. Acho que vamos ter um trabalho de fazer mais de duas coreografias na avenida; vai ser mais do que fazer uma coreografia espelhada, uma hora pra um lado, outra hora para o outro. Agora vamos ter que impactar duas pessoas ao mesmo tempo. É um desafio gostoso”, disse.

Na Mocidade, Marcelo Misaílidis também vê a mudança como um avanço. Para ele, o formato democratiza o espetáculo, priorizando o público. “A ideia é muito boa porque democratiza o espetáculo para o público, que é a parte mais interessada, quem paga o ingresso, quem vive o Carnaval, de fato, o ano todo. E o espetáculo está voltado mais pro sentido do cortejo mesmo, como deve ser. É uma iniciativa superacertada da Liesa”, afirmou o coreógrafo. Misaílidis destacou ainda que a dinâmica 360 amplia a perspectiva visual e permite que todos na Sapucaí contemplem as apresentações. “O importante é que o espetáculo aconteça para frente. Acontecendo para frente, ele atende a todos os lados da avenida”, completou.

David Lima, do Tuiuti, vê a alteração como parte do processo evolutivo do Carnaval e acredita que ela pode dar mais tranquilidade ao desfile. “Com essa mudança, nós vamos parar três vezes. Acho que vamos conseguir fazer um Carnaval um pouco mais esticado, sem aquela correria, aquele desespero. Acredito que o Carnaval está evoluindo e, a cada ano, trazendo uma nova contribuição para a melhora do espetáculo”, declarou o coreógrafo.

Na Unidos da Tijuca, as coreógrafas Bruna Lopes e Ariadne Lax também enxergam na cabine espelhada uma oportunidade de renovação. Elas explicaram que irão trabalhar com diferentes possibilidades para o desfile — desde apresentações em 360 graus até coreografias que alternem o foco entre os lados da Sapucaí, adaptando movimentos conforme o efeito desejado. A dupla acredita que, ao oferecer novas formas de interação, o formato pode ampliar o alcance do espetáculo e tornar a experiência mais democrática para quem assiste na avenida. “Engrandece para o público em geral. Quem está pagando e muitas vezes não consegue assistir, agora terá a chance de ver”, disse Bruna.

Incertezas e critérios de avaliação
Apesar das avaliações positivas, há dúvidas sobre como o novo formato será julgado. Claudia Mota, da Portela, manifesta receio sobre a adaptação dos jurados. “Eu fiquei bem receosa no sentido: ‘será que vai dar certo?’. Até para o jurado poder analisar bem e ter a consciência de que realmente a gente está usando os dois lados. Eles precisam entender isso, porque não é uma missão fácil para a gente, e acredito que, para eles, também não vai ser”, afirmou a coreógrafa, que trabalha em parceria com Edifranc Alves.

Na Viradouro, Priscila Mota alerta para o impacto da mudança na experiência do julgador. “É uma mudança importante, do ponto de vista do julgamento. Eu e Rodrigo, há mais de cinco anos, estamos atentos à questão da bilateralidade da apresentação, isso é uma premissa do nosso trabalho. Agora, quando estamos na frente da cabine, nós estamos nos apresentando para uma pessoa que está nos julgando. Então, se você divide essa frente, você diminui a experiência do julgador. Quem conseguir driblar essa nova mudança vai se dar bem”, avaliou a artista, que está à frente da comissão da vermelho e branco junto com Rodrigo Negri.

Ela também rebate a visão de que basta ‘fazer de frente’. “Não é bem assim. Quem é julgado é quem sabe a melhor maneira de se apresentar. Para quem não é responsável pelo quesito falar isso, é fácil, mas quem tem que ir lá, botar a mão na massa e resolver esse tipo de mudança que impacta tanto na apresentação somos nós. Estamos prontos e vamos trabalhar para fazer o melhor, para não diminuir nem um pouco a experiência do jurado e do público também”, acrescentou.
Para Márcio Jahú, da Vila Isabel, clareza nos critérios é fundamental para que as propostas sejam melhor planejadas. “As coisas têm que ficar mais alinhadas para a gente conseguir desenvolver a coreografia. É entender que, se tiver alguma cabine que não seja espelhada, vamos fazer como se ela fosse espelhada”, adiantou o coreógrafo, que trabalha na azul e branco em parceria com Alex Neoral.
Uso do tripé no novo formato

Embora não seja obrigatório, o tripé se consolidou nos últimos anos como um dos elementos mais presentes na Comissão de Frente, marcando desfiles com soluções cenográficas e efeitos especiais. No novo modelo de julgamento, coreógrafos projetam adaptações para que a estrutura dialogue com os dois lados da avenida.
Handerson Big, da Acadêmicos de Niterói, vê no cenário atual a consolidação de uma tendência já presente no Grupo Especial: a transformação do tripé em palco. “São poucas as comissões que optam hoje por tripés megalomaníacos. Acho que já é uma tendência ele ser um palco para que as apresentações ocorram em cima dele. Então, agora é pensar esse palco em 360. Talvez a solução seja o tripé todo girando… mas não vou ficar dando spoiler”, brincou.

Na Beija-Flor, os coreógrafos Saulo Finelon e Jorge Teixeira defendem que o impacto visual não seja reduzido. “O show não pode diminuir. Acho que um tripé bem usado, por uma questão cenográfica, independe do tamanho. Nós trouxemos um tripé de 32 metros porque havia um canhão de 11 metros, então havia um porquê para aquele tamanho. Agora, uma visão mais ampla tende a permanecer. Menor ou maior, vai de acordo com o projeto de cada um”, explicou Saulo.

Para Márcio Jahú, a tendência é de estruturas mais baixas, que permitam ampla visibilidade. “Se você bota um tripé alto, bloqueia a visão de um lado para o outro. No ano passado, fizemos um palco bem grande na frente, mas com uma altura que o público conseguia assistir de todos os lados. A tendência vai ser essa, facilitando a visão ampla em 360”, avaliou.

Olhar para o futuro
O momento é de estudo, diálogo e experimentação. Paulo Pinna, do Salgueiro, recebeu a proposta com surpresa e defende que é preciso cuidado para que os jurados mantenham uma boa avaliação. “Eu adoro inovação, mas a gente tem que ir devagar para poder entender esse modelo novo. A gente vai conseguir conversar com a diretoria da Liesa para entender como vai ser esse julgamento de uma cabine espelhada”, declarou o artista, reforçando que, diante de qualquer mudança, o fundamental é não perder de vista o sentido do espetáculo. “O Carnaval é para o público, não só para um julgamento”, finalizou.
