Tão logo a apuração do carnaval acontece, é natural que comece a conhecidíssima dança das cadeiras entre profissionais e escolas, que se reforçam e remodelam as próprias equipes. A primeira grande transferência envolvendo as escolas dos grupos organizados pela Liga-SP foi a saída de Fábio Gouveia da Dom Bosco, revelada horas depois da leitura das notas de maneira unilateral pelo carnavalesco. Semanas depois, entretanto, agremiação e profissional anunciaram que ele permaneceria em Itaquera. Para saber os detalhes de situação tão curiosa, o CARNAVALESCO conversou com o profissional (e com mais um “convidado especial” para esclarecer toda essa situação) no lançamento do enredo “Mariama, Mãe de todas as Raças, de todas as cores, Mãe de todos os cantos da terra”, assinado por ele próprio.
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Atritos
Ao longo da entrevista, Fábio Gouveia revelou tudo com grande riqueza de detalhes. Na visão dele, uma série de imprecisões fez com que o carnavalesco ficasse exaurido logo no primeiro ano na Dom Bosco: “Eu falo que o ano passado foi um ano muito difícil pra mim. Um ano difícil porque eu tinha que me adaptar. Foi muito complicado porque foi um processo de adaptação. A minha cabeça ainda estava em um outro momento e foi muito complicado. E, aí, nós nos chocamos: a escola chocou comigo, eu choquei com a escola. Havia um projeto de inovação, havia um entendimento que a escola precisava crescer – e, ao mesmo tempo, não havia um entendimento do que era preciso fazer para que isso acontecesse. Tivemos muita dificuldade, muitas mesmo, mas a gente conseguiu entregar um projeto com muita dedicação, com muito trabalho. E, por causa disso, e eu me cansei”, confessou.
Conforme o desfile ia chegando, naturalmente, as tensões aumentavam – como acontece com todo e qualquer profissional e escola às vésperas das apresentações: “Nos últimos dias, eu me estressei demais. Falei para o pessoal que eu sentia muito, mas eu vou embora porque eu me sinto desrespeitado em uma série de coisas. Eu falei isso e soou de uma forma negativa, mas não é desrespeitado no sentido literal da palavra – de que alguém tentou alguma coisa contra mim, de que alguém me agrediu ou qualquer coisa desse tipo. O desrespeito é um sentimento que, às vezes, as pessoas não conseguem compreender. Certas coisas acabam machucando a gente. “Eu vi um projeto ser machucado. Eu sou uma artista e, antes de qualquer coisa, o artista machucado vai se sentir desrespeitado. Isso me motivou diretamente a sair da escola”, recordou.
Ação silenciosa
De acordo com o próprio Fábio Gouveia, a saída unilateral dele não foi à toa: “Só que eu não conversei com ninguém sobre essa saída. Não conversei com o padre, não falei com a diretoria: eu simplesmente precisava colocar aquilo para fora – e foi da pior maneira, mas acabou acontecendo. Me falaram exatamente sobre isso, mas eu não procurei ajuda. E hoje eu tenho buscado essa ajuda, porque eu tive picos de não me reconhecer nesse processo. Eram muitas emoções ao mesmo tempo e eu não conseguia me reconhecer”, rememorou, aproveitando para destacar que tal ação fez com que ele buscasse auxílio externo.
Anjo da Concórdia
Conforme Fábio explicava, ele, em determinado momento, citou uma pessoa importantíssima para que ele retornasse à escola: “O Rodrigo Xará, muito próximo de mim, falou, que não estava me reconhecendo – ele me conhece desde os tempos da Imperador do Ipiranga e de outros lugares. Eu estava estressado, eu tenho um senso de responsabilidade muito grande com o meu trabalho. Essas coisas foram me cobrando muito”, disse.
Intérprete da Dom Bosco, Xará fez parte do carro de som da azul e branca do Bairro do Grito, enquanto Fábio foi carnavalesco da escola em dois períodos e também atuou em outros cargos na agremiação – como na direção de carnaval. E o conhecimento do amigo fez com que o cantor intercedesse, de acordo com o próprio: “A gente acompanha, conhece as pessoas. E escola de samba é isso. É muita gente para administrar e acaba acontecendo alguma coisinha ou outra. As pessoas reagem, cada uma de uma forma. O Fábio teve a reação dele, mas, conhecendo ele como eu conheço, falei para deixar passar um tempo, viajar, tirar suas férias, ter calma e vir comigo. Ele voltou, veio acreditando no projeto e hoje está realizado, está feliz. É uma criança aqui hoje brincando de produzir as coisas”, brincou.
O reconhecimento do erro por parte do carnavalesco veio na sequência da entrevista: “Eu não poderia vir para cá e deixar a escola em um resultado muito abaixo do que ela tinha alcançado com muita luta. Isso também era uma cobrança muito grande. Aí você entende o poder da palavra respeito: eu não conversei com ninguém, e foi muito errado da minha parte não conversar com o padre, não conversar com as pessoas”, confessou.
Porta se abrindo
Livre no mercado, Fábio, obviamente, começou a ouvir propostas. Até que o intérprete azul e branco novamente intercedeu: “Foram acontecendo várias coisas. Escolas me procuraram, muita coisa foi acontecendo, acontecendo, acontecendo, e muitas portas foram se fechando do nada. Eu estava encaminhado para outros lugares e, de repente, esses lugares foram se fechando, se fechando e aí eu estaria de verdade fora do carnaval de 2026. Até que, um belo dia, o Xará, de novo, me ligou e me convidou para bater um papo – algo que eu aceitei. Ele perguntou se eu podia conversar com a Dom Bosco, mas eu falei que eu poderia conversar com ele. Ele me explicou toda a situação e veio o contato com o padre Rosalvino”, sorriu.
Presidente da agremiação e também da Obra Social, Rosalvino Morán Vinãyo é o fundador da instituição salesiana que, entre tantas ações, cuida de cerca de cinco mil pessoas diariamente. Havia, entretanto, um, em especial, que precisava de atenção: Fábio Gouveia. A conversa com o clérigo foi franca: “O padre me pediu para que eu falasse tudo, e ele foi a mão principal para que eu estivesse aqui hoje. Eu expliquei tudo, mostrei o planejamento e me aproximei da obra – que é a parte administrativa da escola, que eu não tinha contato. A Cristiane e a Adriana me acolheram de uma forma que eu não tenho nem o que dizer, a Thelma, hoje, é a nossa superintendente de carnaval. Comecei a entender que faltava exatamente esse contato com algumas situações para que o carnaval andasse de uma forma muito melhor. Foram três reuniões e, no final delas, o padre perguntou se há um lugarzinho no coração para a Dom Bosco. Respondi que, independentemente da situação em que eu me encontro, de ficar sem trabalho ou não, eu não me reconheço fora de uma escola com menos de um ano de trabalho. Eu fiquei na Dom Bosco só um ano, eu não deixei um legado aqui, eu não consegui construir nada. Ele perguntou se eu continuava e eu respondi que sim. Eu estou vendo que a coisa precisava de uma grande conversa pra gente começar um trabalho, realmente”, vislumbrou.
Final feliz
Fábio mostra-se cada vez mais satisfeito em permanecer na Dom Bosco para o carnaval 2026 e destacou que a versão de 2025 do profissional será ainda melhor para o próximo ciclo. Perguntado sobre o que mudou para que ele ficasse em Itaquera, o carnavalesco surpreendeu: “Na verdade, não mudou nada. É que o Fábio não tinha chegado completo no último carnaval. E quem conhece o Fábio sabe que ele está envolvido nas ações artísticas da escola, que ele está envolvido diretamente com todo mundo. Eu tenho uma coletividade com chefes de ala, com diretoria, e é algo que eu não consegui fazer o ano passado. Eu sou muito sincero, não tenho nenhum problema de falar sobre isso – e, realmente, agora eu estou e cheguei aqui. Agora eu estou diretamente no chão da escola, ajudando na Harmonia, diretamente ajudando nos grupos cênicos da escola, fazendo um trabalho. Vai ter muita coisa bacana esse ano”, prometeu.
Já Rodrigo Xará, citado duas vezes pelo carnavalesco, fez questão de colocar o mérito pela permanência do profissional em toda a equipe, não apenas nele: “Eu não queria levar esse mérito sozinho, porque acho que, na Dom Bosco, todo mundo tem. Eu conheci o Fábio desde os tempos da Imperador do Ipiranga. Lá se vão mais de dez anos. Eu tinha mais proximidade com ele, então eu fui lá falar com ele. Mas todo mundo conversou, todo mundo se entendeu e faz parte errar. É uma família, no fim das contas. A gente briga em casa, a gente faz um monte de coisa e nada melhor do que a gente sentar e conversar. Todo mundo entendeu, todo mundo é adulto e se virou. Agora, está todo mundo feliz e ninguém lembra mais que brigou. É o mérito da escola. A Dom Bosco é uma escola legal, de paz. É natural ter essas confusões, porque a gente cresceu muito. A gente viu o que aconteceu porque a gente cresceu, vale a pena falar. Mas, hoje, a gente entendeu o que é, entendemos como joga o jogo e vamos jogar. Vamos lá, vamos brigar”, finalizou.