A Mancha Verde foi buscar na própria ancestralidade o enredo para o carnaval 2026. No desfile da temporada em questão, a agremiação será a quarta a desfilar no Grupo de Acesso I com “Pelas mãos do mensageiro do axé a lição de Odu Obará: a humildade”, tema manchista em 2012. Com samba-enredo assinado por Armênio Poesia, Chanel e Freddy Vianna, a exibição tinha como carnavalescos originais Pedro Alexandre (o “Magoo”(, Troy Oliveri, Thiago de Xangô e Paolo Bianchi, e será desenvolvido por uma Comissão de Carnaval – encabeçada por Rodrigo Meiners enquanto carnavalesco. Presente no Botequim dos Porcos, evento que teve uma série de atrações na quadra da Mancha Verde, na Zona Oeste de São Paulo, o CARNAVALESCO conversou com personagens que estiveram presentes no desfile original e marcarão presença na reedição.
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Para matar a saudade
O ano de 2012 foi marcante para a Mancha Verde. Encerrando a primeira noite de desfiles do Grupo Especial, a agremiação fez o que é, para muitos, o desfile mais inesquecível da história da agremiação – embalado por um samba que até hoje é cantado em diversos locais Brasil afora. Um dos autores da canção é Freddy Vianna – que estava estreando como intérprete da agremiação justamente naquele ano.
O compositor que também é intérprete destacou a parceria que teve com os outros nomes para criar canção tão marcante: “É uma composição de poucos compositores, mas de grandes compositores. Ao meu lado, tínhamos dois grandes compositores: Ricardo Rigolon, o Chanel, um dos maiores músicos de São Paulo, se não for o maior; e Armênio Poesia, uma lenda do samba – ele que começou e deu um boom nos anos 2000, ficou por muito tempo sendo vencedor”, destacou.
A cumplicidade e a união entre as habilidades entre os três foi um fator chave para o sucesso da composição, na visão de Freddy: “Eu sou muito parceiro dos dois e me lembro muito bem da composição, de como foi construído: a gente construiu na casa do Chanel. O Chanel sempre foi um cara muito sensível em relação à melodia, assim como eu. O Armênio era mais letrista. O Armênio veio construindo a letra, sempre com a nossa ajuda; eu e o Chanel ali na melodia, cadastrando tudo. E, de repente, se tornou esse sambão que todos escutam até hoje”, comemorou.
Lembranças de outros tempos
Freddy se lembrou de um momento marcante com os demais compositores do samba-enredo em questão: “Quando a gente foi construindo a melodia, era engraçado que, a cada momento que a gente construía uma estrofe, eu olhava para o braço do Chanel e ele ficava todo arrepiado. Só de lembrar eu também me arrepio. É uma melodia tocante, uma melodia dolente. Não tem como não se emocionar com ela. Foi um processo muito fácil e muito feliz da nossa parte”, destacou. Vale destacar que a reportagem pode atestar que o intérprete, de fato, ficava arrepiado ao lembrar de tais situações.
Se, conforme a comunicação por meio de smartphones foi evoluindo e se tornando uma realidade também para compositores, facilitando o processo de criação de um samba-enredo, o “jeito antigo” de compor desperta saudades em Freddy: “Era tudo presencial! A gente marcava em determinados dias e a gente ficava da parte da manhã até a parte da noite. A gente não via o tempo passar. É muito bom fazer composição e presencial é melhor ainda”, comentou.
Se não dispensa a modernização, Freddy destaca o quanto as composições antigas parecem ter um charme extra: Hoje o negócio se modernizou, mas ficou um pouco mais frio. A gente não vê, não fica tete-a-tete, não discute sobre aquela melodia, não discute sobre aquela letra. E, naquele tempo, era uma coisa saudável, gostosa. E, como eu falei para você, o processo foi arrepiante. Quando a gente terminou, a gente teve a certeza que aquele samba ia concorrer muito forte no Carnaval de 2012”, vaticinou.
Qualidade indiscutível
Enquanto compositor, Freddy mostra muita satisfação em ter participado da criação do samba-enredo em questão: “Independente dessas pequenas mudanças, o samba continua lindo. Eu escutei do Marcelo Casa Nossa agora mesmo que ele ganhou muitos sambas na Mancha, uns três ou quatro, mas o samba da escola é esse. O samba da escola é o de 2012. E, realmente, teve uma votação na internet em que ele ganhou disparado como o melhor samba da escola. E eu fico muito honrado por isso”, destacou, citando um dos grandes nome do carnaval paulistano a partir do final da década de 2000.
História com grandes histórias
Alguns outros nomes importantes da Mancha Verde também aprovaram a reedição. Presidente da agremiação, Paulo Rogério de Aquino, popularmente conhecido como Paulo Serdan, foi um deles: “Se você pegar os enredos da Mancha Verde, você vai ver que, Graças a Deus, a gente sempre tem enredo extremamente cultural, que são uma mensagem. A gente teve poucos Carnavais que a gente sentiu que, depois, não serviu muito. A gente tem enredos que a gente sente orgulho de ter feito”, exaltou.
Falando especificamente da reedição que virá em 2026, o presidente destacou que o carinho da comunidade por tal apresentação foi decisivo para a definição da temática: “Veio de fora para dentro querer reeditar 2012. Era uma questão que a nossa rapazeada vinha pedindo. Foi um desfile que marcou, seria o nosso primeiro terceiro lugar no Grupo Especial, seria um resultado sensacional. A gente sente que, nesse carnaval, ficou faltando alguma coisinha a mais em relação ao resultado. Por isso, para 2026, a gente só abraçou a vontade do nosso povo”, relembrou.
Na prática
Diretor de carnaval da Mancha Verde, Paolo Bianchi começou falando sobre o inesperado rebaixamento da agremiação para o Grupo de Acesso I para destacar um dos grandes motivos que fez com que a agremiação seguisse o caminho da reedição: “Todas as vezes que aconteceu alguma coisa com a gente, a gente foi lá, pegou o regulamento, cumpriu e vamos embora, vamos trabalhar. Vira a página e, no dia seguinte, a gente se pergunta como que a gente faz para recolher os cacos de um rebaixamento. É claro que reeditar o enredo é muito mais fácil do ponto de vista de trabalho do que você começar do zero. E, também, em relação a gastar uma ideia original, uma ideia de um enredo inovador, a gente prefere gastar, obviamente, no Grupo Especial”, ponderou.
Especificamente sobre o desfile de 2012, Paolo foi na linha dos demais entrevistados pela reportagem: “A gente tinha essa vontade há muito tempo. Esse carnaval que a gente vai reeditar é um carnaval que foi muito bom para nós, um carnaval em que a gente ficou muito bem colocado e a gente fez um desfile épico pelo horário e por tudo que a gente fez no ciclo – como ensaiar de madrugada. Esse samba é o samba que mexe com a comunidade. Naquele momento, o que a gente poderia fazer? Nos organizarmos, levantar a cabeça, como a Mancha sempre fez, e buscar algo que mexa com a nossa comunidade”, explicou.
A síntese de tudo isso foi o grande sucesso do Botequim dos Porcos: “Essa foi a decisão de, claro, fazer um caminho mais fácil – mas, também, que tocasse o coração da comunidade. E hoje, no lançamento, a forma como o evento foi vendido, tudo muito rápido, quadra lotada, o astral da quadra muito bom… é isso que a gente queria fazer: levantar a Mancha pelas nossas forças, pelo que a gente é, por aquilo que a gente já fez na nossa história, por tudo que foi vitorioso. E esse carnaval é vitorioso, mexe com o nosso coração”, vociferou o diretor de carnaval.
Superando obstáculos
Em 2012, o mundo era completamente diferente em relação a 2026 – e é claro que o desfile da Mancha Verde teve que passar por algumas situações que evidenciam isso. Contratado em março de 2026, Rodrigo Meiners, carnavalesco contratado que encabeçará a comissão de carnaval que cuida especificamente do desfile, destacou alguns dos assuntos precisaram ser trabalhados pela agremiação: “O principal desafio é ser um desfile muito conhecido no mundo do Carnaval e muito querido pela comunidade. Quando eu chego na escola, com a confirmação do rebaixamento, a Mancha decide seguir a linha de estratégia que a escola já usou em 2014 e em 2016, quando a escola também estava no Grupo de Acesso: uma reedição – e, aí, a gente entrou na questão do que a gente reeditaria”, destacou.
Apesar do desfile muito querido pela comunidade, havia, sim, outras alternativas: “A gente tinha uma outra opção, a Mancha tem uma safra de sambas e enredos muito bons, principalmente na década de 2010. A gente tinha bastante opção do que fazer, e optamos por reeditar esse. Muito pela questão do desfile em si: é um enredo que fala de princípios, que fala de valores, que fala principalmente sobre a humildade – e a gente achou legal trazer essa reflexão para dentro da escola, no momento em que a escola, infelizmente, cai novamente para o Grupo de Acesso I”, explicou o carnavalesco.
Outro grande obstáculo a ser superado é o gigantismo – que foi adequado em primeira ordem: “O principal desafio é explicar e convencer que o Carnaval mudou completamente. Em 2012, eu nem sonhava em vir trabalhar em São Paulo, por exemplo. Se passaram 13, 14 anos e o número de componentes mudou, o manual de julgador mudou, o regulamento mudou, o tamanho de desfile mudou – e, no acesso, muda mais ainda. A gente sai de um desfile de quase quatro mil pessoas, cinco carros e tripés liberado em 2012 para um desfile de três carros e 600 pessoas no chão como mínimo exigido pela Liga-SP. O tamanho muda drasticamente”, refletiu Meiners.
Outra barreira que também foi encontrada pelo carnavalesco é explicar que o desfile de 2012 terá algumas alterações: “Convencer as pessoas que têm um carinho muito especial por esse time de 2012, que a gente vai reeditar o samba com o enredo em uma outra linha, uma nova e outra história, e que os elementos de 2012 não estarão todos na pista em 2026 também foi um grande desafio. Quando a gente falou internamente que a gente reeditaria o desfile de 2012, todo mundo perguntou do peixe no abre-alas, o peixe no último carro… eu falei que não é bem assim. É a mesma história, é a lenda de Odu Obará, mas eu criei um novo desenvolvimento em cima da letra do samba – até mesmo para adaptar a história no tamanho que a gente pode fazer de desfile no Grupo de Acesso”, frisou.
Por que esse?
Com tantos obstáculos para se superar, a reportagem perguntou para Meiners porquê tal desfile foi o escolhido para ser reeditado. A resposta veio de bate-pronto: “Escolhemos esse desfile pela questão da mensagem da humildade e por ser um samba mais conhecido. Nos ensaios aqui da Mancha, o samba de 2012 é um dos mais cantados. É um dos sambas mais famosos da escola, dentro e fora da comunidade. Optar por uma reedição em algum samba tão conhecido é um encurtador de caminho pelo fato de a comunidade já saber o samba. A gente vai lançar o samba, mas a escola já sabe cantar. A gente já sai na frente em questão de Harmonia e Evolução, principalmente”, explicou.
Carnavalesco elogiado
Novo integrante da Comissão de Carnaval da Mancha Verde, Rodrigo Meiners foi muito elogiado por Paolo Bianchi. Primeiro pela rápida sintonia que o carnavalesco já demonstra com a Mancha Verde: “O Rodrigo, que é o carnavalesco que está com a gente nesse ano, tem sido muito feliz. Graças à competência dele, estamos pegando aquele astral, aquele samba, a energia daquele desfile e estamos fazendo tudo do zero, tudo completamente diferente. Reescrever aquela história, baseado no samba e no enredo, não é simples – e o que ele fez deixou a diretoria muito feliz. Pegar o samba e o astral, mas contar uma história de uma forma completamente diferente, tem sido um prazer, tem sido uma grata surpresa para a gente”, destacou.
Logo depois, o próprio diretor revelou que há tempos a Mancha Verde queria contar com o trabalho do novo contratado: “A gente já estava de olho no Rodrigo há muito tempo. Era um desejo meu e do Paulinho Filho. Um dia, a gente batendo papo, falamos que ambos tínhamos essa leitura super positiva do trabalho do Rodrigo – não só dos últimos anos, mas há muitos anos, quando ele estava só desenhando. Deu match ali. Eu e o Paulinho Filho trabalhamos muito próximos nesse carnaval passado e destacamos que tínhamos vontade de ter um carnavalesco, um cara que cria. E deu certo: o Rodrigo chegou, entendeu muito bem o momento da escola, absorveu isso e tem sido muito competente e feliz em redesenvolver esse enredo”, comentou.
Questões musicais
Quem também trouxe outros desafios para superar rumo ao desfile foi Freddy Vianna – seja como compositor, seja como intérprete da obra: “É um samba que vai ter uma nova roupagem. Devido às regras do quesito samba-enredo, a gente vai ter que mudar um pouco algumas divisões do samba. É pouca coisa, não é muita coisa, não – até mesmo para não perder a característica da melodia e da letra, que é muito linda. Quanto ao andamento, vai ser com os mestres. A gente vê com eles, a gente vai discutir com eles essa parte, vamos conversar e vamos entrar em um consenso para ver se a gente vai jogar um pouquinho mais para trás do que foi em 2012 ou se a gente vai manter o andamento de 2012. Aí é com eles, mas eles têm todo o meu aval, têm todo o meu apoio”, ratificou.
Números fechados
O carnavalesco revelou em primeira-mão para o CARNAVALESCO parte da ficha técnica da Mancha Verde para 2026: “A gente vem com doze alas, três carros alegóricos, tripé na comissão, e 1.200 componentes ao todo no desfile”, abriu.
Curiosidade
Conforme a reportagem foi entrevistando personagens da agremiação, algumas informações sobre o desfile de 2012 foram reveladas. Paulo Serdan destacou que o desfile deveria ser, à época, a melhor colocação da história da Mancha Verde no Grupo Especial, mas o famoso incidente das notas rasgadas e uma conversa com o presidente de uma coirmã impediram.
O próprio presidente cita o outro mandatário em questão: “Não foi o nosso primeiro terceiro lugar no Grupo Especial porque demoraram para pegar o rascunho da nota que rasgou. É até um fato interessante de bastidor: quando apareceram as notas que foram dadas, não mexia na campeã e nem na vice, mas mexia no terceiro lugar – que seria a gente e não o Vai-Vai, que cairia para sexto, salvo engano. Nisso eu marquei um almoço com o Neguitão, meu parceiro, e perguntei se reivindicar essa colocação ficaria ruim para ele. Ele me disse que estava em um momento ruim no Vai-Vai e eu não quis mexer, até porque já tinha desgastado muito o Carnaval de São Paulo naquela apuração”, descreveu.
Uma viagem da Mancha Verde até o outro lado da via Dutra também trouxe uma importante lembrança sobre a canção que será reeditada em 2026: “A primeira vez que a gente foi tocar no Rio de Janeiro, foi na quadra do Salgueiro. Quando começaram a tocar esse samba, eu olhei o povo da quadra cantando e pensei que esse samba, de fato, foi impressionante. A gente ultrapassou fronteiras e barreiras com esse samba. A gente conseguiu mostrar para o mundo do samba que a Mancha Verde é uma escola de samba”, pontuou.
Por fim, Freddy Vianna lembrou de outro fato que torna o desfile de 2012 bastante marcante para ele: “Uma curiosidade: foi o meu primeiro ano na escola. Eu tinha acabado de sair da Acadêmicos do Tucuruvi. O Zaca estava passando e eu ia entrar depois da Tucuruvi. Imagina como estava o meu coração! Era uma coisa nova, um misto de sentimentos. Mas aquilo me fortaleceu, foi impressionante. Quando eu entrei com esse samba na avenida, alguma coisa me iluminou, foi uma coisa diferenciada. Eu levo até hoje no meu coração essa estreia e esse samba na Mancha Verde”, finalizou.
Botequim dos Porcos
O evento que anunciou o anúncio do enredo e do samba para o carnaval 2026 foi marcante para toda a comunidade manchista. A tarde começou com feijoada, teve a revelação para a apresentação da escola em 2026 e foi encerrada com um show do Fundo de Quintal em um tributo a Bira Presidente, falecido em junho.