O carnaval carioca é, antes de tudo, um organismo vivo, em constante transformação. É uma mistura de tradição, arte, emoção, competição e inovação. E, como todo grande espetáculo, exige cuidado com seus bastidores. Nos últimos anos, a Liesa tem promovido mudanças importantes nas regras dos desfiles. Algumas delas têm potencial para aprimorar o espetáculo. Outras levantam dúvidas e acendem o sinal de alerta. Para 2026, o Grupo Especial vai encarar uma nova leva de alterações que, mais uma vez, mexem fundo na lógica do julgamento e na maneira como as escolas se apresentam na Avenida.

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Foto: Léo Queiroz/Divulgação Rio Carnaval

A principal novidade, a mais chamativa, é a chamada “cabine espelhada”, que será instalada simultaneamente nos setores 6 (par) e 7 (ímpar). Já as outras duas paradas seguem nos setores 3 e 10. Será que o efeito é positivo? Em 2025, as quatro paradas implementadas impactaram diretamente o quesito Evolução. O ritmo dos desfiles ficou travado, artificial, e a fluidez das escolas foi prejudicada. Agora, com três paradas, espera-se mais equilíbrio. Mas ainda há dúvidas sobre como isso afetará o conjunto da apresentação. Além disso, as cabines espelhadas podem trazer distorções, por exemplo, o julgador de Fantasias, do lado ímpar, tirar dois décimos por algo que viu, e, do outro lado, o jurado dar nota 10 e elogiar. Vale citar que agora até a nota 10 será justificada, o que acho uma ótima medida.

Outra mudança que promete impactar profundamente a dinâmica do julgamento é a nova composição do corpo de jurados. Serão 54 avaliadores no total (6 por quesito), mas com um formato inédito: apenas 36 deles serão definidos após os desfiles. Esses sorteados terão suas notas consideradas válidas para a apuração na quarta-feira de cinzas. A intenção da Liesa é evidente, proteger o processo de eventuais pressões externas, reduzir a possibilidade de favorecimentos e tornar o julgamento mais técnico. A proposta, no entanto, é polêmica e levanta questionamentos legítimos. Bons julgadores podem acabar ficando de fora, e as notas atribuídas por aqueles que não forem sorteados para o grupo final não poderão ser divulgadas em nenhuma hipótese, antes ou depois da apuração. Resta saber, na prática, se o novo modelo trará os resultados esperados.

O Manual do Julgador também passará por ajustes. O discurso é o de sempre: mais clareza, objetividade, critérios bem definidos. E isso, claro, é essencial. Mas quem acompanha o carnaval de perto sabe que o problema, muitas vezes, não está no papel, mas sim na interpretação de quem julga. A subjetividade é parte do jogo. Estamos falando de arte, emoção e sensações. Mas até a subjetividade precisa de limites. Um manual bem estruturado tem que ser bússola, não passaporte para decisões arbitrárias.

Aliás, desde 2025, a avaliação deixou de ser comparativa. Isso significa que o julgador analisa a escola de forma isolada, sem levar em conta o desempenho das demais. À primeira vista, parece uma medida justa, até ética. Mas o carnaval é competição. E a ausência de comparação entre escolas traz um efeito colateral perigoso: notas infladas, muito parecidas entre si, que esvaziam o peso do mérito e criam distorções na classificação final. Ainda em 2025, tivemos outra novidade importante: os desfiles foram realizados em três noites, e os envelopes com as notas foram lacrados ao fim de cada dia. Um avanço em termos de segurança e lisura do processo. A mudança foi bem-vinda, mas precisa de mais um ano de prática.

O fato é que o carnaval não pode parar no tempo. Inovar é preciso. Melhorar a competição é necessário. Mas tudo isso precisa ser feito com diálogo, com escuta e, especialmente, com respeito a quem faz o espetáculo acontecer, como os artistas, dirigentes, componentes e o povo que ocupa as arquibancadas e vibra com cada escola. Urge, inclusive, uma escuta ativa com o mundo do samba. Uma pesquisa de campo real, com quem vive esse universo na prática.

A Liesa dá um passo importante ao tentar aperfeiçoar o julgamento. Mas justiça, no carnaval e na vida, só existe quando há clareza, coerência e, acima de tudo, confiança. O Carnaval de 2026 será o grande teste desse novo modelo. Que a modernização não sacrifique o encantamento. Porque no samba, quando se perde a confiança, perde-se também o chão.