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Mocidade resgata sua identidade em retorno de Renato Lage, brilha na comissão de frente, mas peca na clareza do enredo

Escola abriu a última noite de desfiles com um visual impactante e uma comissão de frente marcante, mas teve dificuldades em transmitir a proposta do enredo e pecou no acabamento das alegorias

A Mocidade Independente de Padre Miguel abriu a última noite de desfiles do Grupo Especial com um carnaval que resgatou sua própria essência. Sob a assinatura de Renato Lage, a escola da Zona Oeste afastou as desconfianças e entregou uma apresentação que reconectou a agremiação com sua identidade. Foi um desfile nos moldes que consagraram o carnavalesco nos anos 1990, repleto de referências estéticas que remetiam a momentos marcantes da história da Mocidade. O samba já anunciava: “O Mago vai recriar a Mocidade”, e, de fato, o Independente se reconheceu na Avenida. O brilho de Márcia Lage, que nos deixou neste ano, esteve presente na paleta de cores vibrante e bem trabalhada da escola.

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O grande destaque do desfile foi a comissão de frente, assinada por Marcelo Misailidis, que fugiu dos formatos convencionais e entregou uma concepção inovadora. Com um trabalho criativo e bem executado, a comissão mexeu com o público e reforçou o impacto cênico da apresentação. Outro ponto alto foi o desempenho da comunidade de Padre Miguel, que fez a diferença com um canto forte e uma evolução vibrante, sustentando a energia do desfile.

No entanto, a Mocidade pecou no desenvolvimento do enredo, que não foi bem amarrado, resultando em uma narrativa confusa e de difícil compreensão. Embora o conjunto visual tenha causado impacto, faltou capricho e refinamento. Alegorias e fantasias, apesar de conceitualmente interessantes, apresentaram um nível de acabamento simples, o que comprometeu o brilho da apresentação. Com o enredo “Voltando para o futuro – Não há limites para sonhar”, a escola encerrou sua apresentação com 77 minutos na Avenida.

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Comissão de Frente

A comissão de frente da Mocidade Independente de Padre Miguel em 2025, coreografada por Marcelo Misailidis, trouxe a apresentação “IA.venida Matrix do Samba, o futuro é aqui…”, explorando um tema futurista e provocando reflexões sobre a influência da Inteligência Artificial e o impacto da tecnologia na humanidade. A performance questionava a linha tênue entre realidade e ilusão em um mundo saturado de informações e fake news, destacando a incerteza e a crescente dependência tecnológica.

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Em um ano marcado por diversas comissões de frente com conceitos semelhantes, a Mocidade se destacou justamente por sua abordagem diferenciada. Ao contrário da tendência de utilizar um grande tripé fixo, a escola apostou em elementos cenográficos menores, mas essenciais para a construção coreográfica. Esses elementos, integrados à performance dos bailarinos, formavam diferentes cenas ao longo da apresentação. No início, telões exibiam uma mensagem enigmática, que logo davam lugar a uma estrutura dinâmica: os elementos se uniam e formavam uma grande parede, da qual emergia um robô articulado, manipulado pelos próprios dançarinos. O efeito visual impactante capturou a atenção do público, potencializado pela iluminação cênica da Sapucaí, que realçou ainda mais a dramaticidade do momento.

No desfecho da apresentação, a tecnologia assumia de vez o protagonismo: três robôs reais surgiam na cena, entre eles dois cães robóticos, simbolizando a síntese da narrativa da comissão de frente, a substituição gradual da vida real pela artificial.

Mestre-sala e Porta-bandeira

O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Mocidade Independente de Padre Miguel em 2025, Diogo Jesus e Bruna Santos, representou o fenômeno astronômico da Supernova, que ocorre quando estrelas massivas explodem e espalham poeira cósmica pelo universo, criando novos corpos celestes. A fantasia do casal foi concebida para traduzir essa explosão de luz e energia, simbolizando o ciclo eterno de renovação do cosmos. Diogo e Bruna ora se afastavam, ora se aproximavam, em uma dança que remetia à movimentação dessas estrelas em seu processo de transformação.

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O casal se apresentou bem em todas as cabines, demonstrando segurança e sintonia na defesa do pavilhão. A dança foi forte e vigorosa, com destaque para a energia de Bruna, que se entregou intensamente à performance. No entanto, em alguns momentos, esse excesso de vigor comprometeu a clareza dos movimentos, deixando dúvidas sobre a coesão na manutenção do pavilhão esticado. A intensidade da execução, embora impressionante, por vezes resultou em gestos menos definidos, o que pode ter afetado a percepção do conjunto coreográfico. Ainda assim, a dupla manteve um desempenho consistente e alinhado.

Enredo

O enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel para 2025, “Voltando para o futuro – Não há limites para sonhar”, propôs uma viagem intergaláctica que explorou a relação do homem com o cosmos, a tecnologia e o futuro da humanidade. Inspirado na frase de Carl Sagan, “Somos todos poeira de estrelas”, o desfile refletiu sobre a origem do ser humano e os impactos do avanço tecnológico, além de resgatar a identidade futurista da escola e homenagear a carnavalesca Márcia Lage, que faleceu em 2024, deixando esse projeto como seu último trabalho ao lado de Renato Lage.

No entanto, apesar da grandiosidade da proposta, a narrativa do enredo se mostrou confusa e pouco clara. Em diversos momentos, a abordagem repetitiva dificultou a compreensão da mensagem central, tornando o entendimento quase nulo para o público. A tentativa de unir conceitos científicos, tecnológicos e reflexões filosóficas resultou em um discurso denso, mas sem uma linha condutora bem definida, o que comprometeu o impacto esperado na Avenida.

O desfile se dividiu em três eixos principais. O primeiro abordou a conexão do homem com o universo, trazendo o carro “Cosmos”, inspirado na obra de Carl Sagan. O segundo refletiu sobre o impacto da tecnologia na humanidade, representado na alegoria “A Inteligência Artificial Desafia o Pensador”, baseada no conceito de Homo Deus, de Yuval Noah Harari. O terceiro explorou a obsessão humana com Marte e a ficção científica, com o carro “Marte Está Entre Nós”, além de referências a Os Jetsons e Os Flintstones, questionando o que se imaginava sobre o futuro e o que se tornou realidade.

Alegorias e Adereços

A Mocidade Independente de Padre Miguel desfilou em 2025 com cinco carros alegóricos e dois tripés, todos alinhados ao enredo “Voltando para o Futuro – Não Há Limites para Sonhar”, desenvolvido por Renato Lage e Márcia Lage (in memoriam).

O conjunto alegórico da escola transportou o público para os anos 90, período de maior auge da Mocidade e da consolidação de uma identidade visual marcada pela genialidade de Renato Lage. O grande destaque dos carros foi o uso da iluminação, que se mostrou essencial para a composição cênica das alegorias. Para quem imaginava que a iluminação cênica da Sapucaí seria um recurso indispensável, o carnavalesco provou que é possível valorizar os carros sem depender de elementos externos. Foi um verdadeiro reencontro da escola com seus melhores momentos visuais.

No entanto, apesar do impacto estético, o conjunto alegórico apresentou acabamentos simplórios. Não houve grandes falhas, mas em alguns elementos faltaram esmero e refinamento, comprometendo, em parte, o nível de requinte esperado.

As alegorias exploraram temas como a relação da humanidade com a ciência e a tecnologia. O abre-alas, “Sobre o Céu, a Estrela-Guia”, trouxe um grande cometa, celebrou a ciência e referência à Estrela de Belém, relacionando-a ao conceito de Homo Deus, o homem que acredita ser uma divindade por meio do avanço tecnológico. O segundo carro, “Cosmos”, inspirado na obra de Carl Sagan, destacou a imensidão do universo e o papel do ser humano dentro dessa vastidão. Já o terceiro, “Marte está entre nós”, trouxe reflexões sobre a exploração espacial e o desejo de conquista de outros planetas. O quarto carro, “O Dono da Razão”, criticou a arrogância humana e a crença no domínio absoluto sobre o conhecimento. Por fim, “O Pulso Ainda Pulsa”, a última alegoria, retratou um cenário caótico, alertando para os impactos da tecnologia, das mudanças climáticas e da manipulação social .

Os tripés serviram para complementar a narrativa visual da escola, reforçando a estética futurista e científica proposta pelos carnavalescos, porém, o nível deles em relação aos carros conseguiu ser ainda mais simples.

Fantasias

A Mocidade Independente de Padre Miguel acertou em cheio no uso das cores, entregando um desfile vibrante e harmonioso. A escolha por tons cítricos, especialidade de Márcia Lage, foi um dos grandes destaques do visual da escola. Mesmo com combinações ousadas, nada feriu a estética do desfile – pelo contrário, a cartela cromática trouxe unidade e reforçou a proposta futurista e intergaláctica da apresentação.

No entanto, a mesma qualidade não pode ser atribuída à riqueza das fantasias. A escola optou por materiais simples e alternativos, o que, em muitos casos, resultou em um acabamento que deixou a desejar. Individualmente, várias fantasias não impressionavam e careciam de impacto visual, ainda que a leitura dos figurinos fosse clara na maior parte do desfile. O conjunto funcionou pela coesão das cores e da identidade da escola, mas faltou um refinamento maior nos detalhes, algo que poderia ter elevado ainda mais o nível da apresentação.

Harmonia

O desempenho musical da Mocidade foi excelente. O carro de som, comandado por Zé Paulo Sierra, atravessou a avenida com muita sintonia. Um destaque especial foi a presença de vozes femininas, com Milena Wainer se sobressaindo como a mais potente e participativa.

Os elogios também se estendem à bateria “Não Existe Mais Quente”, sob a regência de mestre Dudu. Os ritmistas deram uma sustentação impecável ao samba e impulsionaram o canto da comunidade. Desde o início do desfile, inúmeras paradinhas foram executadas com precisão e capricho, sendo o paradão durante o refrão do samba o mais emblemático, realçando ainda mais a força do canto dos independentes.

Samba-Enredo

O samba, composto por Paulo Cesar Feital, Cláudio Russo, Alex Saraiça, Denilson Rozario, Carlinhos da Chácara, Marcelo Casanossa, Rogerinho, Nito de Souza, Dr. Castilho e Léo Peres, foi um dos grandes destaques do desfile. A obra conseguiu captar aspectos do enredo que não estavam totalmente claros e os transformou em poesia, dando forma e emoção ao que poderia ser difícil de explicar.

Além disso, a letra explorou a conexão emocional dos componentes ao fazer referências a sambas históricos da escola e ao destacar Renato Lage, uma figura emblemática da verde e branca. O samba ganhou força na avenida e contribuiu para um desfile de conjunto harmônico impecável. Os dois refrões foram cantados com intensidade, e a preparação para o refrão principal — nos versos “naveguei, no afã de me encontrar, eu me emocionei” — proporcionou um dos momentos mais marcantes da noite.

Evolução

O Independente deslizou pela Avenida com leveza, e a fluidez do desfile impressionou pela tranquilidade com que a escola avançou pelo Sambódromo. As alas evoluíram de forma solta e natural, sem perder a técnica, garantindo um equilíbrio entre espontaneidade e organização. Do alto, era possível notar o alinhamento preciso dos componentes, que desfilaram compactos, mantendo a harmonia visual e a coesão do conjunto.

Outros Destaques

Antes mesmo de cruzar a linha que marca o início oficial do desfile, a Mocidade Independente de Padre Miguel já emocionava o público com um esquenta repleto de nostalgia e tradição. A escola preparou uma sequência de sambas antológicos, relembrando momentos marcantes de sua trajetória e elevando a energia na concentração.

Outro ponto que chamou atenção foi a ala de passistas, uma das maiores do carnaval deste ano. Com um grupo numeroso e sincronizado, os passistas deram um verdadeiro show de gingado e técnica, mostrando por que são referência no quesito samba no pé.

À frente da “Não Existe Mais Quente”, a rainha de bateria Fabíola de Andrade brilhou com carisma e elegância.

No fim do desfile, a emoção tomou conta da Avenida com a homenagem a Márcia Lage, carnavalesca da escola e esposa de Renato Lage, que faleceu neste ano. Grandes bandeirões com sua imagem foram erguidos, enquanto Renato desfilava vestindo uma camisa estampada com o rosto de Márcia, simbolizando sua presença na construção do carnaval da Mocidade. Foi um momento de reconhecimento e reverência a uma das grandes artistas da folia, coroando um desfile carregado de identidade e sentimento.

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