A culinária carioca, tão diversa e cheia de temperos, carrega traços profundos da influência africana, especialmente dos povos bantus. Originários da região que hoje abrange países como Angola, Congo e Moçambique, esses povos foram majoritariamente trazidos ao Brasil como escravizados a partir do século XVI. No Rio de Janeiro, sua cultura se mesclou com a indígena e a portuguesa, resultando em uma gastronomia rica e cheia de história.
Os povos bantus foram os primeiros africanos a chegar ao Brasil e, no caso do Rio de Janeiro, sua presença foi marcante. Além da forte influência linguística, os bantos deixaram um legado forte na música, na religiosidade e, principalmente, na cozinha.
As alas da verde rosa ‘’Um banquete de angu’’ e ‘’Quem come quiabo não pega feitiço’’, retratam a riqueza histórica e cultural desses alimentos na mesa das famílias do Rio de Janeiro.
Uma das marcas mais evidentes da influência banta, o angu é um prato feito de fubá de milho que se tornou popular entre as camadas mais pobres da população brasileira e, mais tarde, foi incorporado a pratos como o “angu à baiana”, bastante consumido na culinária carioca.
‘’O angu, por conta do angu a baiano, todo carioca gosta de comer, é tradicional da nossa cidade também, apesar de não ser daqui, mas é a tradicional da nossa cidade, então está super bem representado. Minha avó que vendia angu a baiana aqui nessa época, lá nos Correios aqui perto do sambódromo. Ela era baiana e vendia angu aqui. Estar aqui significa que eu tô representando ela, que era mangueirense, que era baiana, era vendedora de angu, eu estou representando ela aqui também na nossa escola’’, relata emocionada a jornalista Joana Cunha, de 45 anos, componente da escola há 5 anos.
Em muitos cantos da cidade é possível encontrar o alimento, principalmente à venda na região central da cidade, que historicamente foi o local de chegada e moradia dos povos bantus e reflete até hoje na cultura gastronômica do Rio de Janeiro.
‘’O angu representa de uma forma, que por exemplo, aqui na Central do Brasil vende o famoso caldinho que a gente sempre gosta. É uma cultura do Rio de Janeiro, que é do carioca, de tomar um gelo, tomar um caldinho. E hoje a mangueira tá trazendo esse enredo, eu tô extasiada por ser a primeira vez e tô muito feliz por representar a minha cidade. Eu amo angu. Com alho , com frango, eu amo tudo. Sou uma verdadeira carioca’’, declara Monique, empresária de 39 anos que desfilou pela primeira vez na Estação Primeira de Mangueira.
Outro ingrediente diretamente da cozinha banta e fortemente presente na vida e nos pratos dos cariocas, é o quiabo. Um vegetal que tem a baba como sua característica principal, sendo muito utilizado na preparação com outras comidas, como o frango, e até mesmo como o famoso ‘’tira gosto’’, forma que é chamado petiscos para acompanhar as bebidas, principalmente a cerveja.
‘’Não sabia dessa informação antes do desfile sobre quando foi escolhido como tema da ala e é só um alimento que eu gosto bastante. E é um alimento que ele é muito representativo da cultura negra carioca. Desde pequeno eu como quiabo porque tem receita de família de frango com quiabo’’, relata André, de 27 anos, estreante no desfile da verde e rosa.
Até mesmo quem não é carioca, mas vive na cidade do Rio de Janeiro, tem vivências com o alimento. A baiana Kaline Assis, médica de 39 anos e está na Sapucaí com a escola pela primeira vez, afirma que ‘’Eu, como uma baiana sabia da questão da relação através de um ditado do candomblé que diz que quem come quiabo não pega feitiço, e foi por isso que eu escolhi essa ala, eu fui ler algumas coisas e descobri outras coisas acerca também dizendo de que o quiabo não é só uma culinária, mas é como se fosse algo espiritual também para eles, quando eles comem eles se sentem protegidos’’.
Os escravizados bantus eram majoritariamente trabalhadores das lavouras, das cozinhas dos senhores e dos mercados urbanos. Adaptando ingredientes locais às suas tradições, deram origem a pratos que, até hoje, fazem parte do cardápio carioca.