Vencedor de três Estrelas do Carnaval (incluindo o de Melhor Escola), premiação organizada e entregue pelo CARNAVALESCO, em 2024, o Império de Casa Verde surpreendeu todo o mundo do carnaval paulistano para a temporada. Em 2025, a agremiação desfilará o enredo “Cantando Contos. Reinos da Literatura”, desenvolvido por Leandro Barboza e com uma linha criativa bem diferente da que estava sendo feita no Tigre Guerreiro há dois anos.
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Para ouvir de profissionais importantes da agremiação como se deu o processo de construção do carnaval azul e branco, o CARNAVALESCO foi até o barracão da agremiação para entrevistar Rogério Figueira, o Tiguês, diretor de carnaval da instituição. Vale destacar que, ao contrário de todas as coirmãs do Grupo Especial, o Império mantém um barracão próprio, ao lado da própria quadra, na rua Brazelisa Alves de Carvalho – ao lado da Dispersão do Sambódromo do Anhembi.
Surgimento por uma paixão em comum
Dos enredos mais comentados de 2025, a temática desenvolvida pelo Império teve uma diretriz bastante clara: “A gente preferiu fugir um pouco do lugar comum. A gente entende que o carnaval tem sempre uma mesmice envolvida. A temática é sempre a mesma. Ou é afro, ou é algo indígena, mas sempre voltado para orixá, para a escravidão, para o sofrimento negro, para o sofrimento indígena. A gente entendeu que chegou a hora de mudar isso. Nosso presidente é um cara que gosta muito do lúdico, é um cara que gosta das histórias, que sempre tem alguma coisa por trás. Eu sou um amante da literatura e, em um dia numa reunião, entre outros enredos que a gente tinha, eu sugeri a literatura”, destacou o diretor.
A ideia, entretanto, teria uma lapidação ainda maior graças a outro imperiano de destaque: “O Fábio Leite Sousa, o nosso Fabinho LS, nosso vice-presidente, colocou na mesa se nós não podíamos fazer esse enredo sobre literatura de um ponto diferente, contando a história que não é contada: quem é herói não é herói, quem é vilão não é tão vilão e etc. Mais ou menos que baseado naquilo que a gente viu no filme do Coringa – que, em teoria, não é um vilão. A partir daí, a gente começou a fazer a história de uma forma que ficasse confortável para a gente. Embora muita gente não tenha entendido ainda, acho que está bem confortável para nós”, destacou.
Exemplos mil
Como o próprio samba do Império deixa claro, diversas histórias muito famosas serão problematizadas com base em excessos, abusos e preconceitos. O próprio Tiguês enumera algumas delas ao explicar a temática: “O principal é a gente procurar entender um pouco de mundo, entender um pouco de pessoas. A gente foi um pouco mais a fundo naquilo que a história não mostra. A gente tem que ver realmente as entrelinhas. Tem uma parte do nosso samba que fala do menino que não cresce, que é o Peter Pan. Está cheio de Peter Pan por aí, está cheio de Coringa por aí, está cheio de cara que não cresceu, que não adquiriu uma certa responsabilidade. Você pega o Coringa que, de repente, o cara é taxado de louco. Na verdade, o cara se revoltou contra alguma coisa do sistema. Quando a gente pega os amores que não são permitidos, a gente pegou Dulcinea e Don Quixote de la Mancha: todo mundo tem um pouco de Don Quixote na vida, todo mundo tem um pouquinho de louco. Também então as histórias que não tiveram finais felizes, como Romeu e Julieta, por exemplo: no desfile vai ter um final feliz”, comentou.
Nada, entretanto, chamou mais atenção do carnaval paulistano que as menções à saga Harry Potter. E, como é característico, Tiguês não fugiu da questão: “São essas coisas que a gente foi percebendo que sempre tem uma entrelinha em uma história, como o caso do Harry Potter e a Hermione. Esse é um exemplo muito crasso. A genial da história é a Hermione. Ele o protagonista, ele é o bruxinho, mas quem lê o livro e quem assistiu ao filme sabe que quem faz o negócio acontecer é a Hermione. A gente procurou fazer da forma mais realista possível e acabou se tornando um enredo de protesto também contra o racismo, contra a gordofobia, contra machismo, contra a homofobia… enfim, tudo aquilo que o mundo quer tirar de circulação. Tudo isso a gente acabou colocando no enredo de uma forma um pouco mais lúdica”, explicou.
Setorização e intersecção
Ao ser perguntado se o Império viria com setorizações claras ou se teria um desfile mais fluido, Tiguês, novamente, destacou a saga dos bruxos – mas juntamente com outra franquia bastante importante: “Nós tivemos que setorizar a escola. Para você ter um pouco da história, quem conta é o Rei Tigre e a gente fala um pouco de histórias da carochinha. Depois, vamos falar dos contos de fada, dos reinos de heróis e vilões, fazemos uma mistura entre o Sítio do Picapau Amarelo e as aventuras do Harry Potter – que tem, por incrível que pareça, uma magia muito bacana ali. A gente conseguiu ver, por exemplo que a mágica do Harry Potter pode estar presente dentro do Sítio do Picapau Amarelo com as coisas do do Tio Barnabé, por exemplo. Naquele monte de sabedoria, ele pode entrar na história do Harry Potter. E, por fim, aqueles livros que não tiveram finais felizes aqui vão ter”, comemorou.
Trunfos
Ao ser perguntado sobre qual o maior ponto forte do Tigre para 2025, Tiguês destacou a própria agremiação: “Em 2025, o Império quis ir na contramão: valorizar justamente aquilo que é nosso. Tanto é que . Teve gente que falou mal do samba e isso não nos preocupou porque, para nós, a trilha sonora vai ser muito bem cantada por uma comunidade que ensaia muito. Eu aboli esse papo de fazer ensaio de rua um carro de som: eu quero testar o canto da comunidade. Bateria e povo. Não tem carro de som, não tem harmonia correndo do lado. É o povo cantando. A gente está apostando muito mesmo em uma parte que todo mundo meteu a boca, que é justamente o samba-enredo”, pontuou.
Resultado lamentado
Para muitos do carnaval paulistano, o Império teve um dos grandes (se não tiver sido o grande) desfile de 2024. A sexta colocação da azul e branca chocou a todos que acompanham a folia. E é claro que tal situação também foi citada por Tiguês: “É difícil a gente falar qual o nosso principal trunfo porque, no ano passado, a gente apostou em tanta coisa e a gente esqueceu talvez do mais importante: valorizar a gente mesmo. A gente ficou muito triste com o resultado. A gente decidiu se fechar, se blindar, e falar um pouco do conjunto da obra. As alegorias do Império são incríveis e o jurado não enxergou dessa forma. A bateria do Império dispensa comentários, o casal de mestre-sala e porta-bandeira dispensa comentários. A gente tinha um sambão e o jurado disse que não ouviu sequer no áudio um apagão. O principal foi a nota de enredo: para a gente, no ano passado, foi algo tão bizarro que o mundo do carnaval não entendeu. Nosso desfile foi tão bom que o presidente renovou o contrato de todo mundo no domingo antes da apuração. Nos falamos no sábado, no domingo estava todo mundo renovado. A gente entende que a nossa valorização é o mais importante. A gente se blindou, se fechou, conseguiu enxergar que a gente tem um potencial enorme – e, esse engajamento, que muita gente pode achar não rolou, na verdade, só teve gente que não entendeu”, alertou.
O diretor, entretanto, fez questão de deixar o respeito por todas as coirmãs em primeiro lugar: “A gente não está aqui metendo a boca em quem ficou na nossa frente, em hipótese alguma. Quero deixar isso bem claro. Mas a gente sabe, o mundo do carnaval sabe que a gente merecia mais. Não vou dizer que tinha que ter sido campeão, não. Mas não votar nas campeãs… foi a maior bizarrice que já aconteceu no carnaval de São Paulo. A gente sabe que a gente trabalha muito – e outras 13 trabalham muito também. A gente não combinou com as outras 13 que a gente seria campeão do carnaval. Por outro lado vieram notas do quesito enredo que, para mim, essa nota veio pronta. Me cansei de falar isso, falei até com a antiga coordenação da Liga-SP: uma nota que é inacreditável, que apareceu e a gente amargou um resultado que foi frustrante. A aclamação do Carnaval era o Império campeão, era o Império com um grande destaque. Todos os prêmios de mídia especializado em Carnaval nós ganhamos. Todos – incluindo o Estrela do Carnaval”, afirmou, citando a premiação organizada e entregue pelo CARNAVALESCO.
A aclamação popular, entretanto, foi muitíssimo comemorado por Tiguês: “O principal, porém, claro que não desvalorizando nenhum prêmio, mas o povo do carnaval deu o Império como campeão. Coirmãs com o próprio presidente falando que o Império ganhou o carnaval, teve um presidente que até falou que o Império não sabe brincar. E, no fim, o Império não voltou nas Campeãs. Isso motivou a gente da seguinte forma: vamos fugir do lugar comum, que são as questaões afro e indígena, vamos partir para o lúdico, já que o hype hoje é o lance do protesto. A gente foi fazer um protesto diferente. A gente não a figura da Marielle sofrendo, a gente não colocou a figura da mulher apanhando do marido, nada disso. A gente colocou nas entrelinhas de todos os contos de fada que a gente insere aqui alguma mensagem. A gente vai ter muita mensagem na pista daquilo que é o normal, daquilo que é o contrário da história, para que o povo possa entender que o carnaval também se faz com imaginação e com literatura”, comentou.
Variações do enredo
Assim que a temática do Império de Casa Verde foi revelada, muitos imaginavam que a escola viria com um desfile infantil. O lançamento do samba, entretanto, muito completamente essa perspectiva. Tiguês destacou que as alterações de rumo em relação ao enredo foram pontuais e muito bem abraçadas pela comunidade azul e branca: “A gente já tinha essa ideia do protesto, surgiu em um almoço entre nós e a gente decidiu fazer. Só que nós não podíamos colocar esse protesto tão explícito, acho que perderia justamente o conto de fadas que te engana. A gente foi apostando, justamente, no segredo. A melodia desse samba é muito diferente, é um samba para cima de muito bom gosto. As pessoas acabaram não entendendo. Tem gente que fala que o Império se perdeu. Não foi nada disso. A gente só está tomando pedrada até agora, a gente só tomou pedrada e isso chateia. A gente acaba ganhando um pouco mais de motivação, também. A gente teria três ensaios visando a gravação do CD na Fábrica do Samba e nós fizemos só dois. Cancelamos o terceiro porque não precisava. O povo cantou. O samba virou. Quem vem aos ensaios no domingo se ligou nisso”, pontuou.
O protesto, tecla muito batida pelo diretor ao longo de toda a entrevista, novamente foi citada no encerramento: “E precisa ficar muito claro: o carnaval se ganha muito na pista e se perde, também. A gente está preparado. Houve uma mudança em uma ou outra coisa dentro do enredo pra adequar o samba, mas isso é normal, é corriqueiro dentro de qualquer ambiente de escola de samba. A gente quis, sim, causar um frisson para a gente trazer um pouco desse engajamento para as nossas causas. É muito legal quando falam do samba que tem o empoderamento da mulher gorda, por exemplo. Aqui a gente está falando explicitamente através de um conto de fadas. A gente não precisou fazer um enredo contra a violência da mulher ou contra a homofobia, está tudo inserido no contexto dos contos de fadas. Eu sou um amante da literatura e eu estoou muito feliz. A gente espera poder causar um barulho muito grande no desfile. Carnaval é na pista e eu espero que essas pessoas, esses tais catedráticos que tanto falam, que conhecem, estejam enganados dessa vez”, finalizou.
Ficha técnica:
Enredo: “Cantando Contos. Reinos da Literatura”
Componentes: 1700
Alas: 22
Números de carros alegóricos: 04
Número de tripés: 01
Diretor de barracão: Nei Meirelles
Diretor de ateliê: Rogério Figueira