Vencedora do Destaques do Ano na categoria Representatividade Preta, Rafa BQueer tem uma longa história no carnaval carioca mesmo nascendo muito longe do Rio de Janeiro. Natural de Belém, ela é muito próxima de uma dupla reconhecidíssima de carnavalescos e já ocupou uma série de funções em escolas de samba.

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Foto: Magaiver Fernandes/CARNAVALESCO

Em entrevista dada com exclusividade ao CARNAVALESCO na entrega do Destaques do Ano, realizada na Biblioteca Parque Estadual no dia 09 de janeiro, ela falou sobre uma série de questões pertinentes à minorias no universo das escolas de samba e na sociedade como um todo.

Forma de pensar

Ao falar sobre o que representa para ela ser eleita como grande símbolo da Representatividade Preta no carnaval carioca, Rafa BQueer aproveitou para falar um pouco sobre a própria história com a folia e as referências que possui: “Eu tenho mais de dez anos de desfiles no carnaval do Rio de Janeiro. São mais de dez anos acompanhando o Leonardo Bora e o Gabriel Haddad nos carnavais que eles fazem. Já fui comissão de frente, sou destaque desde quando eles entraram na Acadêmicos do Cubango (na então Série A), também fui destaque da Grande Rio – e, agora, sou pesquisadora. Tenho uma paixão de criança desde quando morava em Belém do Pará com o carnaval do Rio. É muito bonito poder ganhar esse prêmio e saber que o que me deu esse prêmio foi a minha vivência dentro do campo da arte, dentro do campo da cultura, como uma travesti preta amazônida, atuante dentro de uma escola de samba, dentro do carnaval. A importância da existência das escolas de samba para a perpetuação de uma intelectualidade negra, de uma ancestralidade preta, da qual me orgulho muito. Para mim, é uma honra poder representar e ganhar esse prêmio”, pontuou.

Batalha diária

Grupos minoritários, infelizmente, costumam ser, na prática, marginalizados na sociedade de uma série de maneiras diferentes. Ao falar sobre avanços dos afrodescendentes no país e do quanto eles encontram guarida no carnaval, Rafa fez uma reflexão: “É uma luta constante. Eu estava pensando muito nos meus ancestrais que apanharam, que foram presos para que as rodas de samba existissem, para que as escolas de samba existissem. A luta do povo preto do Brasil é uma luta secular por direitos, por existência, por dignidade. A gente continua com essa consciência e com essa luta nos dias de hoje, na contemporaneidade, para que o samba seja esse lugar de perpetuação da cultura – mas, também, de educação. Escolas de samba são um lugar de encontro e de educação. Que tenham mais enredos afro-centrados, mais escritores, escritoras pretas presentes na criação dos enredos, nas pesquisas. É uma luta que vem de muito tempo e que ela ainda é muito importante para os dias atuais”, ilustrou.

E na decisão?

É bem verdade que as escolas do Grupo Especial do Rio de Janeiro possuem representantes de grupos minoritários na presidência. Almir Reis (Beija-Flor de Nilópolis) e Renato Thor (Paraíso do Tuiuti) são afrodescendentes, enquanto Guanayra Firmino (Estação Primeira de Mangueira) e Cátia Drumond (Imperatriz Leopoldinense) são mulheres. Ainda faltam, entretanto, muito mais quadros de gestão não apenas no universo carnavalesco, mas na sociedade como um todo, na visãod e Rafa BQueer.

Na visão dela, é preciso que mais oportunidades sejam dadas para grupos minoritários não apenas em cargos e funções – mas, também, quando se fala em capacitação: “Com certeza faltam minorias em cargos de gestão nas escolas de samba! Em uma escola de samba, a gente percebe que existem várias hierarquias. Ainda falta, sim, descentralizar os poderes, sobretudo econômicos – mas também, ao meu ver, o que existe é a falta de capacitação de profissionais. Éé um projeto que vem a partir da educação, a partir da inserção de pessoas pretas no universo das universidades, da academia. A escola de samba tem a consciência de que jovens pretos e pretas da periferia precisam de oportunidade de estudar e de se profissionalizar para chegar a cargos maiores de construção intelectual, de construção criativa. Hoje, isso é uma demanda importante para as escolas de samba”, comentou.

Safra de enredos benéfica

Das doze escolas que compõem o Grupo Especial carioca em 2025, sete terão temáticas afrodescendentes e duas homenagearão pessoas pretas. Para Rafa BQueer, o expressivo número nada mais é do que o reflexo da quantidade de pessoas de tal minoria no universo carnavalesco: “Na realidade, o povo preto sempre esteve dentro dos desfiles das escolas de samba. Só que esse é o grande momento da gente exaltar essa intelectualidade não só nos enredos, mas nos protagonismos, no lugar de fala. Se é uma festa que o povo preto criou desde os tempos do samba nos terreiros, que seja o povo preto não só cantando e dançando, mas também narrando a escrita dos enredos, narrando a criação das fantasias, podendo ter um protagonismo na mídia – inclusive lutando contra essa invisibilização. Não apenas o corpo negro presente, mas um corpo negro falante e atuante intelectualmente. Que bom, que maravilha que tenham mais anos com mais enredos afros e pretos – afinal, é uma festa preta e é uma festa onde majoritariamente as pessoas são pretas. Não sei porque existe um estranhamento ou um desejo de tentar barrar esse crescimento, porque é a ordem natural dos fatores: em uma festa com tanta gente preta e periférica, as pessoas querem falar de si e querem falar da sua própria história”, finalizou.