Todo grande ídolo traz, consigo, uma história extremamente simbólica com uma agremiação – e isso vale para qualquer segmento. No carnaval não é diferente: quando uma figura com grande passagem por uma escola de samba volta para o pavilhão que o consagrou, a comoção é notada em toda a cidade. A primeira aparição de Royce do Cavaco no terceiro período dele na X-9 Paulistana se deu na apresentação do samba-enredo da verde, vermelho e branco para o carnaval 2025: “Clareou! Um Novo Dia Sempre Vai Raiar”, em desfile idealizado pelo carnavalesco Amauri Santos. O CARNAVALESCO ouviu figuras importantes da X-9 Paulistana sobre o retorno do intérprete – que cantará a canção ao lado de Daniel Collete e Helber Medeiros.

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Fotos: Will Ferreira/CARNAVALESCO

Breve histórico

Ao chegar na X-9, Royce Todoverto, popularmente conhecido como Royce do Cavaco, já era um dos grandes nomes da história do carnaval paulistano. Desde a segunda metade da década de 1970 no Rosas de Ouro, ele assumiu o posto de intérprete principal em 1983. Logo no primeiro ano, foi campeão. Seria bicampeão no ano seguinte. Entre 1990 e 1994, foram mais quatro títulos. E, na temporada do último troféu, veio a notícia que deixou todo o carnaval paulistano em choque: o cantor sairia da Roseira.

O que mais deixou muitos surpresos foi o destino do intérprete: ele foi para a X-9 Paulistana, escola que desfilaria pela primeira vez no Grupo Especial em 1995. Embora já tivesse uma história anterior (já que foi fundada por integrantes da X-9 da cidade de Santos, uma das gigantes do carnaval da Baixada Santista, conhecida como “a Pioneira” e com dezenove títulos da folia na cidade – a maior campeã do município) nas festividades, poucos imaginavam que ela se firmaria como um nome tão forte acima da Serra do Mar. E, sobretudo que o sucesso seria tão meteórico.

O próprio Royce destacou o quanto a agremiação era vista com pouco respeito por que não imaginava o que estava por vir: “Eu falei no palco que, como diz o Roberto Carlos, na X-9 eu vivi várias emoções. Peguei o desafio no qual a X-9 era vista como a ‘escolinha do Lauro’, que subiu e não ia ficar – e ficamos no Grupo Especial. Também ouvia muito que era só uma escola de portugueses. Aí a escola começou a desbravar novos horizontes. Eu faço a comparação com a Unidos do Viradouro: quando ela despontou no Rio de Janeiro, a X-9 começou a despontar em São Paulo”, refletiu.

Não por acaso, no mesmo ano em que a vermelha e branca niteroiense foi campeão pela primeira vez do carnaval carioca, a X-9 também conquistou o seu primeiro título, no inesquecível desfile “Amazônia, a Dama do Universo” – que foi a primeira grande exibição dos carros alegóricos articulados pelos artistas que produzem o Festival Folclórico de Parintins. O título, é claro, trouxe muitos holofotes para a agremiação: “Nos ensaios, era uma escola dentro da quadra e outra fora, de tanta gente que vinha ensaiar com a gente. Ela começou a ganhar todo mundo, foi um espetáculo. E eu vivi essa época, graças a Deus”, relembrou Royce.

Volta por cima

É claro que nem tudo foram flores na trajetória de Royce do Cavaco. Ele mesmo relembra uma passagem que nada tem a ver com a vida profissional: “Adoeci nesse período, venci um tumor, fiz sucesso no meu disco, vivi o mundo do sucesso, dois títulos… foram várias coisas. Mesmo tendo passado por várias escolas, meu período na X-9 foi muito marcante porque foram várias emoções diferentes”, relembrou.

– Além do tumor, o cantor também trata de um calo nas cordas vocais – o que o levou a fazer uma cirurgia em agosto de 2024;
– Entre 1988 e 2006, o intérprete lançou nove álbuns – com sucesos como “Frente a Frente”, “Dádiva de Deus”, “Coisa do Destino”, “Ter e Não Ter” e “Receio”
– Saindo da X-9 em 2005, ele também teve passagens por Tom Maior e Nenê de Vila Matilde no Grupo Especial de São Paulo (além de retornos no Rosas e na própria X-9 e passagens por escolas de samba de outras divisões)

E para a escola?

Dando voz à agremiação, Reginaldo Tadeu Batista de Souza, popularmente conhecido como Mestre Adamastor, aproveitou para falar sobre o retorno de baluarte de tal monta à X-9. Atualmente presidente e mestre de bateria (juntamente com Mestre Keel) da Pulsação Nota Mil, ele destacou que, para a escola, a terceira passagem também é voltar a um tempo no qual a agremiação disputava sempre as primeiras colocações no Grupo Especial: “Para o xisnoveano, o Royce representa a vitória, de emoção, o coração. E o nosso enredo é isso: de resgate, de recomeço. A vinda do Royce faz muita menção ao nosso enredo, desse renascimento – e o renascimento da X-9 é o o campeonato de 97, de 2000, os momentos mais felizes da escola. São grandes desfiles que aconteceram ao longo dos anos – e uma escola de cinquenta anos tem uma grande história por todas as pessoas e um grande respeito por todos que passaram por aqui na nossa trajetória. O Royce veio somar com esse enredo e com esse projeto maravilhoso que a gente tem para o carnaval 2025”, comentou.

Aprendizado

Em 2024, a X-9 Paulistana desfilou no Grupo de Acesso II, a terceira divisão do carnaval paulistano – onde não se exibia desde 1987. A escola, então, foi campeã com o enredo “Nordestino sim… Nordestinado jamais!”, com Daniel Collete e Helber Medeiros no microfone. Ambos seguem, e o trio mostrou muito entrosamento ao falar da química entre eles.

Estreante em 2024, Helber destacou a história dele em outra instituição gigante do carnaval paulistano: “Eu falei para eles que eu estou vivendo um misto de emoções aqui. Até porque estamos falando de dois sonhos que eu tinha e, agora, não tenho mais: um era cantar com o Daniel Collete; e, agora, é cantar com o Royce – alguém que eu vi, cresci e aprendi com o meu pai, amigo pessoal do Royce. Eu vi ele, com sete anos de idade, cantando o Sábia. Naquele ano, o Rosas de Ouro foi campeão com ele cantando e eu na bateria. E hoje eu estou cantando com ele! Olha que sensação maravilhosa. Eu, começando agora… é uma responsabilidade, mas com uma emoção também para ter o aprendizado que eu tive com o Daniel, também. Olha que escola que eu tenho! Eu só vou captar tudo isso, seguir em frente e fazer o que a X-9 merece – que é voltar para o Grupo Especial”, afirmou.

No palco, por sinal, o intérprete relembrou que chorou quando, ainda ritmista do Rosas de Ouro, soube que Royce estava se despedindo da Brasilândia. Vinte anos depois, eles se reencontram – e cada um com um microfone no trio de intérpretes xisnoveano. O “sabiá”, claro, é referência a um dos sambas mais antológicos da história da azul e rosa e de todo o carnaval paulistano: “Non Ducor Duco, qual é a minha cara?”, de 1992.

Entrosamento

Ao falar de outro dos intépretes xisnoveanos, Royce do Cavaco relembrou uma passagem interessante e pouco conhecida por muitos: “Conheci aqui o Daniel Collete, primeiro como um dos melhores ritmistas e músicos que já conheci. Não conhecia o valor vocal dele, ele cantou comigo na avenida e, dali, ninguém mais segurou o homem. Fico orgulhoso de ser o primeiro intérprete com quem ele fez uma parceria na avenida, em 1998. Na X-9, para mim, foram várias emoções – e isso eu guardo para sempre. Retornar agora, apesar da minha timidez inicial, já que eu estava meio destreinado de X-9, foi um acontecimento maravilhoso. Quero só somar e viver essa emoção de, quem sabe, ser campeão do Grupo de Acesso I”, disse.

O interpelado aproveitou para relembrar outro fato interessante que une os dois: “Só vou falar uma coisa muito importante: em 1996, em setembro, eu gravei tamborim com ele em setembro. Eu vim para a X-9 para gravarmos o CD ao vivo de São Paulo de 1997. Foi aí que o mestre Adamastor me conheceu e me fez o convite para desfilar. Ele também estava gravando tamborim na X-9 e eu estava do lado dele! Ele me deu uma baita base. Ele é o cara, com artigo definido. Ele estava no meio da mulecada, tocando tamborim, para ficar legal, sendo todo participativo. Isso me deu o gancho para eu ser tão participativo quanto eu sou hoje. Ele é o grande exemplo que a gente tem”, elogiou.

A parceria deu certo: em 1997, como já citado, veio o primeiro título de Grupo Especial da X-9 Paulistano. O segundo viria em 2000, com “Quem é você, Café!”, dividido com o Vai-Vai – e também com Royce no intérprete.