A Imperatriz é mais uma escola a abandonar sua característica cultural para buscar abrigo na temática afro-religiosa. Com o enredo “Ómi Tútú ao Olúfon – Água fresca para o senhor de Ifón“, do carnavalesco Leandro Vieira, vai contar na Sapucaí a história descrita em um dos mais famosos Itans (lendas) que compõem a cultura Iorubá, aquele que revela a história das “águas de Oxalá”.

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casal imperatriz
Foto: Nelson Malfacini/Imperatriz

Considerado pai de todos os Orixás, Oxalá, conhecido na África por Obatalá, se veste de branco e prima pela limpeza. Nesta história ele sai de seu reino, Ifón, para fazer uma visita a Xangô, Alafin (líder) de Oyó. Antes de partir, faz uma consulta a seu Babalaô (conselheiro) que o orienta a levar três mudas de roupa branca porque ele passará por provações. Oxalá também deveria fazer uma oferenda a Exu, que controla os caminhos, e não deveria negar qualquer pedido que fosse feito a ele.

Mas Oxalá, poderoso, deixa de realizar a oferta a Exu. No caminho o “dono do caminho” apronta com o “pai de todos” e o suja três vezes, obrigando-o a trocar de roupa três vezes. Ele chega a Oyó sujo e maltrapilho, encontra um cavalo perdido, que havia dado de presente a Xangô, e monta nele para devolver ao dono. Mas é confundido com um ladrão e preso pelos guardas. Durante os sete anos que Oxalá fica detido no reino de Xangô a desgraça se abate sobre a população local. Até que Xangô consulta um conselheiro que alerta sobre uma pessoa presa injustamente em seu reino. O orixá da justiça vai até a prisão e encontra Oxalá, sujo e mal cuidado. Ele o leva para o palácio e providencia um banho com as águas mais limpas e cristalinas que houvesse em Oyó, em sinal de respeito e devoção. Daí surge o ritual das águas de Oxalá, realizado no início do ano por muitas casas de Umbanda em todo o Brasil.

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É essa história que o samba assinado por Me Leva, Thiago Meiners, Miguel da Imperatriz, Jorge Arthur, Daniel Paixão e Wilson Mineiro relata com beleza e poesia. Uma obra que vai mudando sua melodia de acordo com o momento da trama, num casamento muito interessante. Ele já começa a letra de maneira muito incomum nos dias atuais, com uma introdução ao tema. “Vai começar o itan de Oxalá / Segue o cortejo Fun Fun pro senhor de Ifón, Babá”. Importante destacar que “Fun Fun” é como são conhecidos em África todos os orixás ligados à criação e o mais famoso deles é o Oxalá, por isso chamado de “Orixa – Alá”.

A passagem desta introdução para a história é um diferencial do samba, uma continuidade melódica muito bonita e rara nas obras musicais deste gênero, emendando com o início da viagem do rei de Ifon. “Babá…Orixalá, destina seu caminhar / Ao reino do quarto Alafin de Oyó…”. Cabe ressaltar a preocupação dos autores em variarem ao máximo o vocabulário a fim de evitar repetições de palavras. Para referência ao personagem principal da história eles usam, além de “Oxalá”, as expressões “Senhor de Ifon”, “Babá”, “Alá”, “O senhor” e “Pai de todos os Oris”.

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A letra segue aproveitando para destacar as roupas sempre brancas do seu protagonista antes de relatar a consulta ao Ifá, sistema divinatório que tem os babalaôs como sacerdotes e serve como conselheiro. Na linguagem popular carioca ele foi jogar os búzios para saber se deveria fazer a viagem. Mas o “Odú” (destino) lhe reservava problemas. “Alá, majestoso em branco marfim / Consulta o Ifá e assim / No Odú, o presságio cruel / Negando a palavra do Babalaô / Soberano em seu trono, o Senhor / Vê o doce se tornar o fel”. Este último verso é interessante pois uma das peças pegadas por Exu no caminho de Oxalá é feita com melaço. Então, o doce realmente se torna fel. Neste trecho a melodia fica um pouco acelerada podendo trazer alguma dificuldade de canto para quem não estiver bem ensaiado, mas acho que não será problema para a Imperatriz

O rei, entretanto, não segue todas as orientações do seu conselheiro, também citadas na letra do refrão central. “Ofereça pra Exú… um ebó vai proteger / Penitência de Exú, não se deixa arrefecer / Ele rompe o silêncio com a sua gargalhada / É cancela fechada, é o fardo de dever”. A segunda parte do samba segue relatando os problemas da viagem. “Mas o dono do caminho não abranda / Foi vinho de palma, dendê e carvão / Sabão da costa pra lavar demanda / E a montaria o leva à prisão”.

Um corte melódico traz as consequências duras para o povo de Oyó após a prisão injusta. “O povo adoeceu, tristeza perdurou/ Nos sete anos de solidão”. Para logo depois destacar que Xangô aparece para promover a justiça, num outro momento melódico em exaltação ao Alafin (rei) de Oyó. “Justiça maior é de meu pai Xangô / Traz água fresca pra justiça verdadeira / Meu pai Xangô mora no alto da pedreira”.

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O ritual das águas de Oxalá é descrito num outro módulo melódico, perfeitamente identificado com o momento de cura, resgate e leveza. Aqui os compositores desfilam uma série de itens dos rituais religiosos como Banho de Abô (banho com ervas), Ibá e Quartinha (recipientes usados para colocar água) terminando com comida (Acaçá), oferendas (Ebô) e orações (Ladainha). “Preceito nagô a pra purificar / Desata o nó que ninguém pode amarrar / Transborda Axé no Ibá e na Quartinha / Pra firmar tem Acaçá, Ebô e Ladainha”.

A melodia vem numa crescente até explodir no refrão principal que começa com uma saudação ao “Senhor do tempo”, desejando boa sorte a ele: “Oní sáà wúre! Awure, Awure!” para em seguida falar de sua coroa (Adê) e exaltá-lo como pai de todos os Oris. “Quem governa esse terreiro ostenta seu Adê / Ijexá ao pai de todos os Oris /Rufam atabaques da Imperatriz”.

É um grande samba-enredo. Descreve o Itan com beleza e muita essência. O casamento de letra e melodia, ambos muito ricos, é perfeito na medida em que a música acompanha a dramaticidade de cada momento da letra. Pensando no desempenho técnico, proporciona energia para embalar a evolução dos componentes. Um dos melhores do ano. Samba de escola que briga pelo título e não pode perder pontos. Não deve perder neste quesito.