O processo para a escolha de um samba-enredo para embalar um desfile pode ser realizado das mais diversas maneiras – e, até por isso, cada uma delas possui a sua própria dinâmica. Para o carnaval 2025, a Dragões da Real, mais uma vez, inovou. A agremiação da Vila Anastácio, Zona Oeste de São Paulo, ciente das dificuldades que parcerias possam vir a ter, arcou com os custos de produção e disponibilizou o intérprete oficial e a Ritmo Que Incendeia, bateria da instituição, para que cada obra fosse gravada. O CARNAVALESCO entrevistou alguns dos responsáveis pela dinâmica para verificar qual foi a avaliação de cada um deles a respeito.
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Modelo que se replica e traz benefícios
A Dragões, tão acostumada com pioneirismo, pode dizer que foi a primeira escola de samba em São Paulo a fazer tal dinâmica. Algumas agremiações, entretanto, fazem processos semelhantes. Em relação à escola da Vila Anastácio, ela foi a primeira instituição do gênero a gravar com o intérprete e com a bateria e divulgar para a comunidade. O Rosas de Ouro, por exemplo, bancou os custos com o estúdio; já a Unidos de Vila Maria não fez a divulgação.
Na visão de Márcio Santana, diretor de carnaval da Dragões da Real, o fato da agremiação disponibilizar a estrutura física e de profissionais traz uma imensa vantagem para todos: “Dentre tantos benefícios que o processo novo traz, o maior é democratizar a disputa. Quando a escola assume a responsabilidade da produção de todos os sambas, ela possibilita a inúmeras parcerias que, hoje, já não se aventuram mais a uma disputa (até por conta do altíssimo custo que é uma disputa de samba-enredo nos dias de hoje), como o Armênio Poesia, que não compunha há tempos, mas topou nesse formato. Outros parceiros históricos, que já venceram sambas aqui na escola, estão no mesmo grupo – que fizeram sambas em dupla ou até mesmo solo. Furar a bolha, trazer sangue novo e oxigenar a disputa é o grande trunfo do formato”, comentou.
Renê Sobral, intérprete da agremiação (logo, responsável por cantar todas as obras que chegaram), sentiu o mesmo que o diretor: “Tivemos novos compositores chegando, junções e parcerias surgindo… tivemos gente que fez samba-enredo pela primeira vez, abrindo porta para que todos pudessem disputar. Tivemos obras muito bonitas que, caso a pessoa tenha interesse, ela certamente pode se tornar compositora de samba-enredo”, comentou.
Visão do intérprete
O cantor oficial da Dragões não escondeu que tal método, para ele, também trouxe desafios – mas, mesmo assim, aprovou o formato: “Para mim, foi uma novidade. Me desgastou, tive que decorar todos os sambas, mas fizemos um formato que foi muito bom. É um formato que veio para ficar na Dragões”, disse Renê.
Ele, por sinal, também comemorou o tradicional pioneirismo da escola: “Geralmente, se grava só os dois sambas finalistas – e nos bastidores, para consumo interno. Não é algo que você faça para soltar para a mídia. A Dragões inovou por dar oportunidade para aos compositores, arcando com os custos e investindo neles. Tivemos lindas obras e demos igualdade na disputa para todos: saímos do estúdio com todos os sambas iguais e o samba se destaca por si próprio. Na quadra, você tem a disputa apresentando a obra para que a escola e a comunidade façam a escolha”, destacou.
Também vale destacar o cuidadoso trabalho feito por Renê Sobral para que a isonomia fosse respeitada: “Eu avisei a todos que eu gravaria da mesma forma que as gravações-guia no estúdio. Se um verso tem trava-língua, o compositor seria prejudicado porque eu cantaria daquela forma. Mantive todos os tons, mesmo os que eu, na minha região vocal não chegava, para manter a originalidade diante do que recebemos. Nosso maior cuidado foi esse. Nada de cacos de exaltação, apenas de chamadas de viradas de frases”, avaliou.
Tem futuro?
Tanto a presidência quanto a diretoria da instituição, em entrevista ao CARNAVALESCO, destacaram que a dinâmica em questão agradou e tem boas chances de ser mantida para os próximos carnavais.
Ao comentar o processo, Renato Remondini, o Tomate, presidnte da instituição, aproveitou para relembrar algumas outras escolhas de samba-enredo na instituição: “O processo deu certo – até pela quantidade e qualidade dos sambas: foram vinte e cinco recebidos, um recorde absoluto na escola. É claro que temos algumas coisas para ajustar, mas o processo de manter eliminatórias é muito importante. Como vice-presidente da Liga-SP, vou lutar muito para que as escolas tenham esse formato. Cada escola tem sua opinião e filosofia de trabalho – e nós temos que respeitar. Em 2017, encomendamos um samba por achar mais fácil. No ano passado, tivemos alguns problemas depois do resultado – mas problemas criados por pessoas que achavam que eram maior que o pavilhão, e não são. Nesse ano, colocamos na cabeça de todo mundo que você tem o direito de torcer pelo samba que você quiser; mas, ao acabar a apresentação, é o samba da Dragões. Desse jeito, nós conseguimos ter um resultado fantástico na quadra”, refletiu, no dia 24 de agosto – data em que a escola fez a final do concurso.
Márcio Santana também deu a deixa: “Foi aprovado e acredito que podemos ter esse caminho daqui para frente, sim. As parcerias saíram muito felizes com o resultado final das obras. Tentamos respeitar integralmente o que cada parceria nos entregou. As gravações que estão na voz do nosso intérprete é o que cada parceria nos deu como cada caminho a seguir. É caro que é um trabalho oneroso e cansativo, já que são muitas obras. Mas esse método engrandece demais o concurso por furar a bolha da mesmice. A Dragões tem buscado a todo instante isso – e esse formato de disputa permite o surgimento de novas parcerias, de compositores individuais se lançarem. Isso é muito positivo, não podemos deixar o carnaval cair na mesmice. Temos que revelar e buscar o novo a todo instante. A Dragões vem fazendo isso e está funcionando. Foi uma disputa maravilhosa, com um resultado maravilhoso e um produto final que é esse lindo samba”, finalizou.