Por Gustavo Lima e Fábio Martins
Uma noite inesquecível marcou este domingo para a escola de samba Vai-Vai. A comunidade da Saracura pôde enfim retornar ao seu chão na Bela Vista. Uma final de samba-enredo na rua, grandiosa e lotada, que remeteu aos grandes tempos que a agremiação tanto gostava. Um evento em que o Vai-Vai viveu as suas características na mais pura essência. Sem dúvidas o componente e torcedor apaixonado pela escola retornou aos seus lares sorrindo de orelha a orelha, mostrando que o lema ‘Escola do Povo’ vive e muito. Se tratando da final, três obras estavam em disputa para ser a trilha-sonora alvinegra para o próximo desfile. O segundo samba-enredo a se apresentar, composto por apenas dois compositores, saiu vencedor. Por ter um refrão forte e de fácil assimilação, também era de agrado da comunidade. A parceria, formada por Naio Denay e Francis Gabriel contou com bastante torcidas, bandeiras e sinalizadores. Era perceptível o favoritismo da parceria. Assinado pelo carnavalesco Sidnei França, o tema do Vai-Vai para o Carnaval 2025 é intitulado como “O xamã devorado e a deglutição bacante de quem ousou sonhar desordem”. Uma homenagem ao ator e dramaturgo de teatro, Zé Celso.
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Obra feita em dupla: A primeira conquista e a experiência de vencer
O experiente compositor Naio Denay, que já venceu 11 sambas na escola, contou que persistiu em manter a parceria, mesmo que em dupla seja mais difícil, decidindo apostar no entrosamento com seu parceiro, que começou em 2017. “Você vê 15 caras, mas na verdade quem faz são três ou quatro no máximo. Esse ano a gente decidiu não fazer isso. Vamos lá se der os dois ou não. Como a gente já vem fazendo samba, decidimos continuar. Temos um entrosamento de muito tempo”, disse.
Com família do Bixiga, o compositor Francis Gabriel venceu o seu primeiro samba na escola do coração. É um sonho de infância, disse o escritor. “É um sonho de infância. A minha família é do Bixiga. Desde que eu me entendo por gente eu frequento o Bixiga, mas sempre como músico ou folião. Em 2017 foi o meu primeiro samba com o tio Naio Denay e mais alguns parceiros. Agora é a realização de um sonho ganhar na minha escola do coração. Estou feliz da vida. Agora é festejar por três dias, três noites ou oito dias, oito noites”, declarou.
Como citado, o refrão forte e fácil pegou facilmente com a comunidade, especialmente pela frase “Vai no Bixiga pra ver, só no Bixiga pra ver”, que faz referência a um dos principais sambas alusivo da agremiação. Naio disse que os versos conquistaram o povo e aproveitou para falar sobre sua trajetória na Saracura e a diferença de vencer na rua. “É o tipo de refrão que pega no coração da comunidade. A gente como Vai-Vai, mesmo quando escuta um refrão tipo esse, pega no coração. Nós os pegamos. Eu cresci aqui, dentro do samba. Eu não tenho mais outra escola. Esse é o 11º samba que eu venço. Eu cresci ganhando samba aqui. Estar de volta aqui é a mesma emoção que eu tinha há anos atrás. O Vai-Vai é Bela Vista, Bixiga e não pode sair daqui”, comentou.
Francis aproveitou para agradecer à organização chamada Bate Fundo, que ajudou a parceria com camisas e outras questões financeiras. “Aqui a gente também vem de uma comunidade do movimento do samba, que é o Bate Fundo. Aquele povo lá correu junto com a gente. Fizemos camiseta, fizemos rifa, fizemos pagode e o povo veio junto. Estamos levando esse título para essa galera também”, completou.
Dinâmica diferente e importância do Vai-Vai na rua
O presidente Clarício Gonçalves falou sobre a dinâmica feita para a escolha do samba, que primeiramente começou com audições internas, depois passou para a Fábrica do Samba, até chegar à final. De acordo com o presidente, a decisão na rua foi crucial para ouvir melhor a melodia, pois o som ajudou juntamente à bateria. “Nós começamos a eliminatória dentro da Fábrica, o som lá é abafado. A comunidade em si, cada um opinou por um samba, mas só que, aqui na rua deu para sentir que a melodia junto com a bateria a céu aberto e como funciona. Chamamos o pessoal, os representantes de cada samba e dissemos que qualquer um deles teria que ser mexido na letra e não na melodia. Porém, o samba que na nossa visão se destacou, foi o samba oito, que vai ser o nosso hino para o Carnaval 2025”, explicou.
Contando do evento na Rui Barbosa, o gestor agradeceu os órgãos públicos, a bancada feminista e ao prefeito Ricardo Nunes. “Eu não posso deixar de agradecer o prefeito Ricardo Nunes e a todos os órgãos. A bancada feminista que nos ajudou, porque nós somos uma escola apartidária. Agradecemos também a comunidade em geral. Nós abraçamos esse momento único. O horário era até às 21h, nós sempre vamos procurar respeitar para que a gente não incomode os vizinhos que estão nas redondezas, mesmo sendo no bairro do Bixiga. Isso é que o povo do Vai-Vai entendeu e graças a Deus terminamos no horário combinado. Passamos 10 minutos, mas só a satisfação de ver essa comunidade em peso no nosso chão, no nosso solo é muito gratificante. Eu espero que através dessas parcerias, nós consigamos repetir esse evento maravilhoso que foi essa final”, afirmou.
Diretor geral da agremiação, Luiz Robles, também comentou sobre a dinâmica e exaltou o refrão da obra escolhida. De acordo com o gestor, fala muito sobre a história do homenageado Zé Celso. “Foi mudada toda a dinâmica do que o Vai-Vai vinha fazendo e a gente até mesmo se perguntava se isso tudo ia dar certo. Quando a gente começou a fazer os tiras dúvidas, os próprios compositores começaram a elogiar a organização e a forma de trabalho. E aí já pensamos que estamos no caminho certo. E curiosamente esse samba oito na audição e alguns momentos que ele teve com a gente tirando dúvida, esse refrão guardou. Ele falou: ‘Não vou apresentar para vocês que é meu trunfo para ganhar a disputa’. A gente quando escutou a primeira vez na apresentação, tinha a certeza de que era um refrão com uma sacada muito boa. Ele resume praticamente toda a história do Zé Celso. A escolha foi a melhor para a escola levando em conta vários fatores. Vamos desfilar de manhã, a melodia, toda essa característica do samba que é forte, para frente e exalta muito a escola também. Isso mexe com o brio da comunidade”, destacou.
Entrega da batucada não vai faltar
Um dos mestres da ‘Pegada de Macaco’, mestre Beto, disse que ficou satisfeito com a obra escolhida e que venceu a correta. Da parte dele não vai falar entrega. “A gente tinha 19 obras, duas desistiram, fomos com 17 e foi indo até sobrar as melhores entre as melhores. Eu falei para o presidente da escola, para o diretor-geral e para o mestre Tadeu, que da minha parte ia fazer arranjos, entregar a bateria pronta para a escola desfilar, qualquer que fosse o samba que ganhasse. O 2, o 12 e o 8 eu ia abraçar como se fosse a minha filha e fazer o melhor para a escola. Foi uma eliminatória muito boa, a bateria tinha 165 pessoas, a escola permaneceu e ganhou o samba oito, que era o que tinha que ganhar”, declarou.
Beto falou sobre o formato e exaltou a grande festa que o público vai-vaiense proporcionou nesta noite. “Vamos trabalhar com a verdade: O Vai-Vai não tem um CEP hoje. A gente tem a Fábrica do Samba, que é cedida para as 14 escolas do Grupo Especial e o presidente Clarício está correndo para alugar um lugar para realizar os ensaios. A gente teria que fazer seja no estúdio do CARNAVALESCO ou na minha casa a escolha do samba. Tivemos a primeira eliminatória interna e depois fomos para a Fábrica aos finais de semana. Hoje foi uma bela festa na bela vista com um público muito grande”, afirmou.
Missão de jurado e critério de escolha
O carnavalesco Sidnei França citou o processo de escolher o hino vencedor, visto que segundo o próprio, não havia uma certeza absoluta na sua ótica. Mesmo assim, o profissional opinou que a letra é rica e a melodia combina com o componente alvinegro. “Foi um processo um tanto quanto doloroso porque nós tínhamos algumas opções de sambas para escolher e foi bastante difícil. Não foi um concurso que tinha um samba disparado que você falava ‘tem que ser esse’. Nós tínhamos pelo menos três opções de sambas para escolher para o Vai-Vai e acabou escolhendo o samba do Naio e do Francis. O samba oito tem uma capacidade para além da informação que a letra traz. A melodia conversa muito com o vai-vaiense e com a identidade da escola. Hoje isso se afirmou, porque nós fizemos três domingos. Dois na Fábrica do Samba e a final aqui na rua na Rua Rui Barbosa”, disse.
O artista contou sobre os jurados que tiveram a missão de debater e definir o samba-enredo da Saracura para o Carnaval 2025. Sidnei e membros da sua equipe entram com o contexto do enredo e outras pessoas falam da parte musical. “Os jurados foram a Tati que é uma pessoa da minha equipe. A Tatinha faz as pastas de jurados do Vai-Vai. Ela trabalha nessa questão de defesa. Eu, a Tati, Paulo Rogério, Danilo que é o diretor musical da escola, Mestre Tadeu e Zé Carlinhos. Também teve o Coque da direção musical da escola. Fomos nós sete que tivemos essa missão de escolher o samba. É claro que eu busco neles um amparo musical, porque eu não sou da música, eu sou da visualidade e eles buscam em mim a certeza de que o enredo, a identidade do desfile que eu estou pensando está contemplada por esse samba. Neste encontro de letra e melodia, os outros cinco falaram muito de musicalidade e eu e a Tati falamos muito de letra, de entendimento da narrativa do enredo a partir do samba contado e não só cantado e é isso então buscamos. Foi um processo onde conseguimos um consenso através de algumas reuniões de discussões internas para o melhor para o Vai-Vai”, revelou.
Sidnei é uma das pessoas que mais bate na tecla sobre a identidade cultural do Vai-Vai. O carnavalesco se viu em um dia especial na volta da comunidade para o seu lugar. “E aí tinha uma incógnita como a escola vai reagir na rua, que é onde o Vai-Vai é mais Vai-Vai, inclusive. É na rua que o Vai-Vai se revela uma escola realmente de fato do povo e aqui apenas chancelou que a gente já vinha percebendo o quanto o samba vencedor dialoga não só com enredo, mas com o coração da comunidade e hoje eu vejo que foi um dia muito especial para além da escolha do samba: O Vai-Vai retornar para Bela Vista”, concluiu.
‘Só no Bixiga pra ver’
Intérprete do Vai-Vai sendo cria da escola, Luiz Felipe enalteceu as eliminatórias e a final feita na rua, onde diz que ali mora a agremiação. “Foi uma eliminatória muito produtiva, onde tiveram 17 obras e classificaram-se oito (para semifinal). Chegamos à escolha de uma que é a que vamos embalar no Carnaval 2025. Na rua é um resgate. A gente se emocionou até no começo com muita gente da escola chorando, porque o Vai-Vai é rua, Vai-Vai é povo, Vai-Vai é isso aqui que a gente viu. Isso resgata o nosso orgulho de ser Vai-Vai a cada dia”, afirmou.
O cantor tem uma característica de ficar no meio do povo e da bateria durante as apresentações. Luiz contou que isso é feito para sentir o clima do samba e qual a comunidade prefere, pois não é jurado. “Eu sou do povo, eu sou o cantor. Não sou jurado, mas faço parte do povo. Eu fico sentindo a comunidade, qual o samba que eles gostam. É um samba que é a cara do Vai-Vai também. A bateria estando junto na rua com o povo, nós sentimos o termômetro da coisa e é o samba oito”, comentou.
O músico foi mais um a falar que o samba é a cara da escola. Sendo assim, com a aprovação dos departamentos e comunidade, a escolha do Vai-Vai foi certeira. Luiz diz que almeja estar no Desfile das Campeãs em 2025. “É um samba que tem a cara da escola. O refrão muito apelativo, um refrão que já orgulha o vai-vaiense: ‘Meu alvinegro manto sagrado’. Frases impactantes e um samba com o nosso carnavalesco também participando ativamente com a comissão dentro do enredo. Agora vamos buscar nosso objetivo, se Deus quiser é estar nas campeãs”, finalizou.
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