Por Fábio Martins e Will Ferreira
A fina garoa paulistana marcou presença na noite do último sábado, mas nem ela afastou a comunidade do carnaval da Caverna do Dragão. Atual vice-campeã do Grupo Especial de São Paulo, a Dragões da Real lotou a quadra da agremiação, localizada na Vila Anastácio, Zona Oeste da cidade, para definir qual samba-enredo seria levado pela escola no Anhembi em 2025. E, para embalar o enredo “A vida é um sonho pintada em aquarela”, desenvolvido pelo carnavalesco Jorge Freitas, venceu a parceria composta por Galo, Léo do Cavaco, Jairo Roizen, Rodrigo Dias, Thiago Meiners, Fadico, Claudio Mattos, Clairton Fonseca, Robson Valêncio, Vitor Blanco, Alves e Tubino. * OUÇA AQUI O SAMBA
Dos compositores mais conhecidos do eixo Rio-São Paulo, Thiago Meiners destacou que, para compor a obra, o racional não teve vez: “O principal na composição do enredo foi essa questão emocional, mesmo. O samba traz uma carga emotiva muito forte. O processo de composição é o mesmo que a gente faz em todas as escolas. Nossa parceria tem gente do Rio de Janeiro, gente da Bahia, de São Paulo, do Rio Grande do Sul… a gente se fala muito pelo WhatsApp. A gente é uma parceria que não faz reunião: é tudo muito dinâmico e online. É uma parceria de amigos. A gente é amigo há muito tempo. Acho que também foi muito importante ter um enredo tão sentimental, um enredo que tem uma ligação familiar. Você faz samba com seus amigos, isso é importante e eu estou muito feliz. É a minha primeira vitória aqui na Dragões. Na parceria, o Léo do Cavaco e o Darlan já ganharam vários sambas aqui na escola, mas a parceria como um todo é a primeira vez que a gente ganha e foi bem legal. Acho que principalmente por isso: por ser um enredo diferente e pela carga sentimental que ele traz”, comentou.
Outro compositor da parceria, Jairo Roizen trouxe ainda mais detalhes sobre a parceria vencedora: “A nossa parceria tem pessoas de muitos lugares do Brasil. Nós temos compositores que estão em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, na Bahia. A gente se fala nessa época de disputa de samba-enredo, de construção do samba. Nos falamos vinte e quatro horas por dia por grupo de WhatsApp, ligação, mensagem no particular, chamada de vídeo. Tudo isso para fazermos sambas que vão lá para disputar, sambas competitivos. Mas, acima de tudo, sambas que fortalecem a nossa amizade. Nós fazemos sambas com os amigos e, independente de vencer ou de não vencer. Se eu não me engano é a quinta vez que eu disputo samba na Dragões, nunca tinha chegado em uma final. Mas a Dragões é uma escola que dá condições de que fortaleça a nossa amizade com os nossos parceiros. Isso é o que é o mais importante. Desta vez a gente ganhou e estamos mais felizes ainda”, afirmou.
Jairo também aproveitou para destacar todo o contexto envolvido na concepção do enredo: “É um enredo muito emocionante mesmo – e é emocionante por vários sentidos. Por ser um enredo baseado numa música que nós todos acompanhamos durante a nossa infância e toda a nossa vida. Quem nunca ouviu, quem nunca cantou ‘Aquarela’, do Toquinho? É emocionante pela relação que a gente tem, pela amizade que a gente tem com o Jorge Freitas. Sabemos que foi um enredo baseado no neto dele, que fez a passagem neste ano… é emocionante. A Dragões da Real é uma escola que eu particularmente tentei algumas vezes disputar samba aqui e nunca tinha chegado na final – e dessa vez a gente chegou e foi agraciado com a vitória. Foi muito prazeroso fazer esse samba, é o samba que mexe com a nossas emoções, com nossos sentimentos, com as nossas lembranças. Lembranças de pessoas que já se foram, lembranças de momentos difíceis, lembranças de barreiras que estão aí pelo caminho. Mas sempre é tempo de recomeçar. E nós vamos recomeçar com esse desfile da Dragões, com esse samba que a Dragões escolheu, que com certeza vai fazer aquele Anhembi um lugar muito feliz”.
Carnavalesco onipresente
Para Thiago, Jorge Freitas foi extremamente solícito e ajudou bastante a parceria: “Ele deu muita abertura para as parcerias, para a gente mostrar o samba para ele. Explicar qual a narrativa que a gente queria trazer no samba. Isso foi importante. Não ficamos presos a uma sequência cronológica de enredo. Ele falou para sermos emotivos mesmo, sentimentais, tentar falar do fundo do coração e trazer sentimento pro samba. Ele deixou a gente bem à vontade. E nós, compositores, ficamos felizes. Hoje em dia, principalmente no Rio de Janeiro, estamos tendo muito problemas com narrativa, cronologias, estamos ficando muito preso. A gente já tem feito essa crítica há um tempo no Rio de Janeiro e também em São Paulo. Pelo menos aqui na Dragões a gente teve muita liberdade para fazer o samba desse ano”.
O outro lado
Idealizador do enredo, Jorge Freitas não escondeu o quanto ficou satisfeito com a escolha da escola: “Gostei muito do samba escolhido! A final do samba foi maravilhosa, mas é um projeto que começou no final de abril, entre os dias vinte ou vinte e cinco. A Dragões resolveu, junto comigo, contar o ciclo da vida a partir dos versos da música ‘Aquarela’. Tenho que agradecer muito à escola porque é um período muito frágil da minha vida, mas eu também tinha o desafio de transformar a minha dor em arte. Essa arte nós levaremos para a avenida, para cantar o ciclo da vida: infância, juventude, maturidade (quando recebemos os obstáculos da vida e temos o nosso livre arbítrio) e final da vida. A Dragões, além de um grande enredo, no qual todos se encontrarão nele, teremos um grande samba. Todas as obras passaram, no mínimo, quatro ou cinco vezes comigo individualmente por cerca de uma hora e meia. Todos puderam ter noção do que era o nosso enredo. Falei a todos os compositores que eu queria chegar ao final sabendo que iria me emocionar. Samba, além da técnica, é emoção. O povo assiste o carnaval e só transmite emoção quando nós conseguimos emocioná-lo. A Dragões virá com emoção, com verdade e com amor para fazer mais um grande carnaval”, desabafou.
Unanimidade
Um ponto destacado por muitos entrevistados pelo CARNAVALESCO foi a explosão da lotada quadra quando o anúncio aconteceu – algo presenciado pela reportagem. Um dos tantos nomes ouvidos que pontuou a situação foi Renato Remondini, o Tomate, presidente da agremiação: “Se você filmou, você viu que a escola inteira gostou. Dois sambaços, muitos sambas bons participando do concurso… a escola está muito feliz. Ao longo dessa semana, estava tudo muito dividido, foi algo muito bacana. O que eu mais gostei de hoje foi ver que a quadra estava literalmente lotada e cheia de componentes da escola. Eles já mentalizaram que, acima de qualquer preferência e resultado, tem algo chamado Dragões da Real, que está acima de qualquer gosto. Todo presidente fala que está feliz, mas eu estou feliz demais, na concepção da palavra: pelo meu povo, por ver a reação de todo mundo. Você não vê uma reclamação, um questionamento, uma discussão. Tem coisas muito valiosas que as escolas de samba precisam ter sobre o seu domínio e uma delas é o respeito. Os nossos componentes se sentem respeitados. O resultado foi fantástico”, comemorou.
Rogério Felix, diretor de Harmonia, também valorizou o enredo que será apresentado no Anhembi: “Estaremos muito bem representados com o samba. É um enredo que pega pela emoção. Nós traremos um grande brilho, com muito coração, para a avenida. O samba campeão está muito bem alinhado com o enredo, está perfeito. A disputa foi muito igual, dificultou bastante o nosso trabalho – e, ao mesmo tempo, nos deixou muito felizes. Faremos um excelente trabalho com o samba campeão”, destacou.
Sempre sucinto, mestre Klemen Gioz, comandante da “Ritmo Que Incendeia”, bateria da Dragões da Real, citou o grande desejo da escola: “É clichê, mas faremos um belo trabalho para correr atrás do título que a gente ainda não tem, mas está correndo muito atrás”.
Janny Moreno, porta-bandeira da instituição, também falou sobre o sentimento que a canção desperta: “Com certeza a Dragões da Real está muito bem representada em samba-enredo! O samba traz muita emoção falando sobre a vida. Creio que vai ser algo bem encantador e emocionante”, afirmou.
Integrante do carro de som da instituição, Jorginho Soares também falou sobre a participação dele na safra: “A toalha gira da mesma da mesma forma, eu entrego do mesmo jeito. Se tiver que fazer abertura vocal, eu vou fazer, vou pular e vou agitar e é isso que sempre faço em todos os sambas. Quando deu o resultado aqui, eu acho que a resposta veio da quadra. Eu senti que a quadra explodiu, então é sinal que a diretoria acertou na escolha”, comentou, citando o gesto característico do intérprete – que gravou dezessete dos dezoito sambas da instituição.
Sucesso de safra
Parceiro de Janny, Rubens de Castro não falou apenas do samba campeão – ele preferiu falar de quem não estava mais na disputa: “A Janny falou do samba campeão, mas eu quero falar de todos que participaram das eliminatórias, os que não chegaram até aqui, que também eram muito bem escritos. Agradeço a todos, fizeram sambas lindos. Mas é uma competição, foram dois sambas incríveis. A Dragões virá em 2025 de uma maneira reflexiva: vamos pensar de qual forma você está colorindo a sua vida para depois você descolorir, para começar tudo de novo. Você, que está em casa, repensa: será que você está colorindo certo a sua vida? É uma renovação de ciclo constante. A gente fica só esperando a cada aniversário… cada dia que você acorda é uma renovação, é uma aprovação, é uma missão que você tem que cumprir, é uma frustração que você tem que superar. É disso que estamos falando. Esse samba é muito emocionante”, comentou.
Aproveitando para citar o que pode ser mudado na obra campeã, Jorge Freitas destacou o quanto cada canção se encaixa no enredo desenvolvido por ele: “Eu tenho a certeza que todas as obras estavam contemplando o nosso enredo da forma que eles quiseram se expressar: mais subjetivo, mais poética… mas a narrativa de todos os sambas-enredo estavam bem consciente da proposta do nosso tema. Se tivermos que fazer alguma alteração, pode ser algo musical – parte que eu também trabalho. A questão de tonalidade, caso aja necessidade. Além da apresentação, temos também uma competição com itens técnicos. Quem é avaliado no quesito samba-enredo é o componente, a execução do samba feita pelos nossos componentes. Veremos se o nosso povo se encaixa na tonalidade do samba-enredo. A obra é maravilhosa, o outro finalista idem e todos os sambas que participaram também tinham essa característica. A obra é movida pelo sentimento – que será levado por todo o nosso desfile”, pontuou.
Com um processo tão especial para escolha do samba-enredo, Márcio Santana, diretor de carnaval da escola, também elogiou a safra da agremiação: “Foi uma escolha difícil, uma escolha que vem de uma disputa muito longa em se tratando de Dragões. O processo de escolha do nosso samba se deu desde o início das gravações, com o estúdio – tanto que tivemos vinte e cinco inscrições. Apenas vinte e um chegaram à base das gravações, dezoito vieram pra quadra, e assim a gente foi construindo essa escolha que foi trabalhosa, mas prazerosa. Eu acho que o enredo leve, os sambas leves – e, acima de tudo, uma final com uma leveza, com uma comunidade feliz, com compositores muito parceiros. Quero agradecer demais às parcerias finalistas e também as que ficaram ao longo do caminho porque foram eles que engrandeceram o concurso”, parabenizou.
Além de falar da temática, Tomate também destacou a importância da música que inspirou o samba-enredo: “Nós, esse ano, optamos por proporcionar a todos os compositores que quisessem que a escola gravaria o samba. Fizemos com intérprete, bateria oficial, tudo certinho. Tivemos vinte e cinco sambas inscritos, um recorde absurdo na Dragões. Vinte e um foram gravados, dezesseis foram gravados pela escola. Essa validação e reconhecimento dos compositores foi bem legal. Além disso, temos um enredo com os versos da música ‘Aquarela’ falando do ciclo da vida… essa música é uma das cinco músicas mais ouvidas no mundo! Quando trouxeram o enredo para a gente, me pediram para ouvir a música. Nós sempre tivemos uma identidade visual muito forte, teremos barquinho de papel, castelo e etc. Muita gente acha que Aquarela é uma música infantil, mas ela fala de amor, essência e emoção. É isso que levaremos de uma forma esplendorosa para a avenida”, arrebatou.
Metáfora
Ao falar especificamente sobre o enredo, Jorge Freitas foi além ao comparar a vida com o carnaval: “Esse enredo é como um desfile de escola de samba: quando chegamos no final, pensamos que poderia ser diferente, mas não tem mais tempo. Quando tiramos nossa fantasia e acaba o carnaval, temos um novo desfile no ano seguinte. No plano espiritual, tiramos a fantasia como forma de resgate para vestir uma fantasia nova de acordo com a nossa consciência”, refletiu.
Em busca da taça
Todos os segmentos pontuaram o quanto os trabalhos já estão adiantados para 2025. Uma das grandes revelações foi feita pelo próprio presidente da Dragões: “É claro que todo presidente e etc vai falar que esse vai ser o maior carnaval da vida. Mas o nosso abre-alas já está sendo decorado, um carro gigantesco, acoplado. É o carro mais diferente, é o maior, com mais movimentos, luxo e interatividade e é o carro com o maior número de pessoas na história: são quase trezentas pessoas em cima das bases. Tudo que podemos depositar de amor, carinho e investimento nesse carnaval nós estamos fazendo. Estamos, literalmente, depositando todas as nossas fichas. Se vai dar certo ou não, o mais importante, para mim, é, independentemente de ficar em primeiro ou em outro lugar no final da apuração, é ver o nosso povo feliz, é ser aclamado pelo público no Anhembi, pela imprensa recebendo todos os troféus. A Dragões é movida pela paixão, e, enquanto ela existir, ela será dessa forma”, revelou Tomate.
De acordo com Márcio Santana, tudo está dentro do cronograma da escola – que, inclusive, motivou outra metáfora: “A Dragões é muito chata com prazos, a gente fala que a gente é muito britânico com tudo. Não é só com cronograma de quadra, mas também com cronograma de produção de carnaval. A gente vem com uma produção muito avançada. Nossos ateliês estão trabalhando a todo vapor, nosso barracão de alegoria já tem muita coisa pronta, e agora a gente entra na fase de lapidar o samba, deixar ele pronto para ele vir ser apresentado para a nossa comunidade. Agora a gente dá aquela temperadinha com sabor de Dragões para entregar para a comunidade – e, no primeiro ensaio, explodir ainda mais do que foi a explosão no anúncio do nosso samba na noite de hoje”, explicou.
Pensando no canto da instituição, Rogério Felix afirmou que, agora, é hora de fazer a sintonia fina do samba-enredo com os representantes da comunidade em geral: “A gente sempre tenta renovar e sempre trazer um trabalho cada vez mais forte, cada vez mais técnico, cada vez mais estudado. Nós temos uma ligação muito próxima com os nossos coordenadores, chefe de ala ou presidente de ala – como cada escola chama diferente, aqui nós chamamos de coordenadores de ala. E vamos intensificar cada vez mais a nossa força de canto, furar a bolha da escola e chegar na avenida fazendo tudo para ser a escola que mais canta na avenida”, desafiou.
Klemen também pontuou que a “Ritmo Que Incendeia” terá mais uma apresentação animada: “Desde quando nós gravamos todas as faixas em um estúdio, em um plano que a gente armou, eu já estou pensando em bossas, paradinhas, convenções… não tem como, tal qual no ano passado. Minha cabeça já está borbulhando! Vai vir coisa boa”, prometeu.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira da agremiação também já está em pleno vapor, como revela Janny: “”Eu mesma sou bitolada em ficar imaginando a nossa rotina de dança… ouvi o samba campeão, fecho os olhos, vou dançando e imaginando o que pode ser feito fora da cabine – porque, para o jurado, é algo meio que certo e fechado. Mas, fora, temos que desenhar da melhor forma possível. Já deu certo!”, pontuou. Rubens preferiu o ar misterioso: “A Janny falou em desenhar e eu já vou dar um spoiler para vocês: nós vamos desenhar vocês na avenida”, intrigou.
VEJA MAIS FOTOS DA FINAL