Fred20231215 001A invenção da paradinha mudou eternamente o ritmo das baterias. Mestre André sempre foi um visionário e revolucionário. A criação do surdo de terceira, por exemplo, deu um novo norte musical aos ritmos, que depois desse fato ficaram com muito mais balanço. Mas, sem dúvida, a mudança mais impactante nos rumos das baterias foi a criação da paradinha, por parte do lendário mestre. Mas levando em conta o desenvolvimento das bossas, será que mestre André estaria feliz ou preocupado diante do que deixou de legado?

O que eram arranjos musicais simples, com meras respostas as chamadas do repique, estão se transformando cada vez mais em convenções complicadas, densas e repletas de informações rítmicas. Obviamente existe uma relação ligada intimamente à cultura musical das agremiações. A bateria do Império Serrano, por exemplo, historicamente possui bossas mais elaboradas e até mais extensas que as demais escolas. Isso já é algo praticamente enraizado como tradição rítmica da “Sinfônica do Samba”. A criação conceitual de bossas, portanto, se encontra profundamente atrelada à cultura musical da escola representada.

Por vezes, a densidade da bossa pode representar um nível elevado de execução dos arranjos. Nesses casos, o ideal é sempre avaliar se o impacto buscado está mesmo sendo alcançado. Pois, em alguns casos, o próprio volume mais complexo de informações musicais pode estar sendo utilizado praticamente em vão, já que dificilmente será percebido por julgadores, que possuem um tempo pequeno para assimilar sonoridades. Acreditar no conceito criativo do “menos é mais” pode gerar paradinhas de maior impacto, com nível de execução relativamente mais tranqüilo, deixando os ritmistas mais soltos, além de confiantes para realização das bossas.

Facilitar ou simplificar uma paradinha pode sim ser a chave do sucesso tanto musical, como também mental para consolidar um arranjo dentro do ritmo. Se a musicalidade não está fluindo, não custa absolutamente nada reavaliar e readaptar a bossa. Por vezes essa “enxugada” pode auxiliar a encorpar mais o ritmo, gerando consistência num momento onde já rola a dúvida entre a capacidade técnica da galera do ritmo e o nível desafiador envolvendo a dificuldade da convenção. O mais importante, na realidade, é garantir sempre a melhor execução possível, pois sendo um arranjo complexo ou não, certamente isso que será cobrado por jurados. Levando isso em conta, inclusive, é possível afirmar que a desejada versatilidade rítmica é importante, mas a precisão das retomadas do ritmo ao voltar das bossas também se mostra vital. Essa precisão ao retomar é fundamental para demonstrar o encaixe perfeito do samba com o arranjo musical, bem como evidenciar que a execução privilegiada da bateria na bossa contou com a volta no tempo e no andamento certo.

Se existe algo importante na hora da criação conceitual de uma bossa é a conferência da integração musical do novo arranjo em relação ao samba-enredo. É buscar entender se há fluidez musical durante toda a execução da paradinha, incluindo sua retomada. Quanto mais integrada à melodia da obra estiver o arranjo, mais orgânico e fluído ele ficará dentro da canção. Aqui o primordial é sempre buscar dar ao samba o que ele pede. Criar conceitualmente em cima das variações do samba-enredo permite resultados ainda mais expressivos e impactantes, além de perfeitamente entrosados com as nuances presentes na melodia.

Cada mestre de bateria tem seu estilo musical e sua estratégia rítmica. De maneira geral, vem sendo possível perceber uma parcela considerável de mestres que possuem bossas em cada trecho do samba (uma para primeira do samba, outra no refrão do meio, com outra na segunda e mais uma para o refrão principal). Essa medida vem tentando adequar o ritmo produzido ao esquema atual de julgamento. Pois assim, independentemente do ponto do samba em que a bateria chegar à cabine de julgadores, têm bossas para execução imediata, utilizando assim todo o tempo de apresentação musical em seu benefício.

Agora, se tem algo que poucos mestres tem se atentado são nas interferências dos volumes das cordas no momento de executar as bossas. Cavaco e violão acompanham os arranjos rítmicos de forma praticamente constante. E, algumas vezes, seus toques podem acabar encobrindo a criação rítmica proposta pela bateria. Esse fato precisa ser analisado com bastante atenção e cuidado. Havendo diretor musical na agremiação, vale demais pedir sua ajuda para que essa análise seja feita da forma mais apurada e técnica possível. É justo e musicalmente coerente que as cordas participem dos arranjos, desde que não interfiram na propagação sonora de qualquer naipe que seja, garantindo assim a mais perfeita execução rítmica possível.