De acordo com o Aurélio, o significado da palavra “tradição” é “conjunto de bens culturais que se transmite de geração em geração no seio de uma comunidade”. No âmbito do carnaval paulistano, poucas escolas de samba possuem mais tradição que o Camisa Verde e Branco. Imagine, então, o que é para o tradicionalíssimo Trevo ficar longos onze anos no Grupo de Acesso I. Tal contagem, entretanto, se encerrou em 2023. Com o vice-campeonato da segunda divisão da folia paulistana, a agremiação voltou ao Grupo Especial.

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Foto: Fábio Martins/Site CARNAVALESCO

O sentimento mais do que especial pelo retorno à elite, todo o trabalho realizado e uma importante característica sobre o desfile foram relatados ao CARNAVALESCO em entrevistas após a exibição da instituição da Barra Funda no Desfile das Campeãs, na noite de 26 de fevereiro, no Anhembi.

Sensação especial

Diversos importantes componentes do Camisa relataram imensa felicidade por fazer parte do retorno da escola ao Grupo Especial. Jessika Barbosa foi uma delas. O vice-campeonato foi ainda mais festejado por ser o primeiro ano dela e de Alex Malbec como casal de mestre-sala e porta-bandeira da agremiação. “É especial demais! A gente nem consegue acreditar ainda. Estamos aqui, mas é como se estivéssemos no desfile oficial. São onze anos longe do Especial e é um pavilhão que teve muita gente importante defendendo. O Cláudio e a Cláudia desfilaram no abre-alas, por exemplo. Para a gente, é muito especial e importante. Estreamos com o pé direito!”, comemorou.

Perguntado se a sensação, de fato, era especial, Alex concordou com a companheira. “Com certeza! No meio dessa comunidade toda, que já estão aqui há tanto tempo, senhoras e senhores da Velha Guarda e da bateria, que tem cinquenta, sessenta anos de escola, eu cheguei ontem. Porém eu já me sinto em casa, meu coração já é verde e e branco. É a minha paixão! E eu pude contribuir. É importantíssimo não só para a gente, mas para o pessoal que sai da quadra tarde, fica no ponto de ônibus, gasta o décimo terceiro salário para fazer a roupa, às vezes vai para a quadra e não come porque não tem tempo… isso é especial para a gente. A gente dança para esse povo. Jurado é consequência, a gente dança para todo mundo que está na arquibancada, no chão, aqui fora dando água para a gente. Isso que é o importante”, pontuou.

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Presidente da agremiação, Erica Ferro confessou uma reação de extrema felicidade ao relatar como reagiu ao acesso. “É uma sensação que eu não consigo explicar. Eu não consigo acreditar, eu dormi com a taça na minha casa! Eu acordei, fiquei de pé e, só quando eu olhei, eu vislumbrei que é verdade. Trabalhamos bastante, aguardamos bastante e trabalhamos muito firme. Agora, o trabalho é dobrado, porque é o Especial”, observou.

Relembrando o último desfile vencedor do Camisa, Jeyson Ferro, mestre de bateria da Furiosa, torce para que o destino tenha alguns pontos diferentes da última vez que a Barra Funda voltou à elite. “Eu não tenho explicação para isso. A minha explicação é muita emoção. A escola subiu de 2011 para 2012 e eu quem estava à frente da bateria, ganhando nota máxima e prêmio. Olha como Deus é bom: depois de onze anos, aconteceu a mesma coisa e a escola subiu. Tomara que façamos um carnaval maravilhoso ano que vem para nos mantermos no Especial. No outro ano, infelizmente, a gente caiu. Tomara que, no próximo, a gente trabalhe com muita garra e determinação e sem erros para a gente se manter no Especial”, destacou.

Contra o descrédito, o regulamento

Poucos apostavam no acesso do Camisa Verde e Branco no Grupo de Acesso I de 2023. Até mesmo alguns integrantes, por sinal, destacaram que o desfile tinha alguns pontos de melhora. Contra toda e qualquer situação negativa, entretanto, havia um trunfo: o regulamento. A escola estudou o documento que rege todo o carnaval paulistano e não teve decréscimo algum no resultado final, conquistando todos os 270 pontos possíveis ao final da apuração.

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Empolgado e com alguns palavrões cortados pela edição, Alex destacou a raça da escola. “O trabalho é em silêncio. Eu não preciso gritar no microfone para Deus me ouvir. Na minha cama, falando com Ele, Ele me ouve. No carnaval é a mesma coisa. A gente não precisa postar nota, eu não preciso postar o que está acontecendo. A gente tem que fazer o nosso, se entregar dentro de casa. Minha maior nota nesse carnaval é acabar o desfile e todo mundo vir agradecer a gente, e a gente agradecer as pessoas, pela luta e pelo conjunto. Isso é o mais importante, isso é Camisa Verde e Branco. É garra, é dar carrinho, é isso”, comentou.

Mais racional, Erica afirmou não ter ligado para as críticas recebidas pela instituição ao longo do ciclo para o carnaval. “Os jurados de internet… eu ouvia as pessoas comentarem, mas continuamos trabalhando e acreditei no nosso trabalho. Não liguei, porque carnaval é pasta e pista. Regulamento debaixo do braço”, destacou.

Pontuando o desfile tecnicamente perfeito, Jeyson também valorizou a conquista do troféu. “Sim! O Camisa fez um desfile técnico, igual muitas escolas fazem. O Camisa não veio com luxo. Teve escolas no Grupo de Acesso I que veio mais bonita que o Camisa, mas o Camisa veio técnico, com o regulamento debaixo do braço. Pegou nota máxima em alegorias, ficamos invictos. O carnaval é isso: quem erra menos leva o carnaval. Todo mundo entra com nota máxima. Vai perdendo aos poucos. Perdemos pouco e estamos no Grupo Especial, junto com o Vai-Vai”, comentou.

Enredo marcante

Em entrevista ao CARNAVALESCO no dia 03 de dezembro, durante o lançamento do CD do carnaval paulistano, Jessika Barbosa destacou que, para ela, o grande trunfo da escola no desfile oficial seria o enredo “Invisíveis”, que relatava os que, de acordo com a exibição, foram esquecidos e marginalizados pela Constituição Federal. A porta-bandeira reiterou o ponto de vista logo após o Desfile das Campeãs. “Na minha opinião, o enredo foi um dos principais pontos que nos fez voltar ao Especial, sim. Nosso enredo veio com uma plástica que foi elogiada por alguns e criticada por outros. Foi um ponto positivo, nos colocou na mídia. Sabe aquele ‘fale bem ou fale mal, mas fale de mim’? Foi bom!”, afirmou.

Alex concordou com a companheira de segmento: “Como diz o samba, foi ‘de peito aberto e de punho cerrado’ no nosso manifesto. E os punhos cerrados significam muito. É uma fala de direito minha e da Jessika e que deve ser respeitada, inclusive dentro desse samba maravilhoso que veio falando de tudo que é violado, sobretudo em relação à intolerância religiosa e ao preconceito racial. Esse enredo empurra qualquer um. Quem achou que não ia dar, achou errado”, finalizou.

Mistério para 2024

Ao contrário de outras coirmãs, que já se movimentam para anunciar despedidas e reforços, o Camisa segue sem falar sobre mudanças em segmentos da escola. Jessika, porém, pontuou que a definição, ao menos em relação ao casal de mestre-sala e porta-bandeira, não deve demorar muito tempo. “Ainda não falamos com a diretoria, mas saberemos dentro dos próximos dias”, ratificou.

Jeyson não falou com certeza, mas expressou a vontade de que a equipe seja mantida: “Todo mundo vai estar na escola em 2024, se Deus quiser”, pediu. Responsável direta pela manutenção ou reformulação nos segmentos, Erica adotou o bom humor para falar do mistério: “É surpresa!”, finalizou, de maneira sucinta.