Por Vinicius Vasconcelos
“Não brinca com filho de Jorge, não brinca com filho de Ogum”. A canção assinada pelos compositores Ronaldo Camargo, Juninho Thybau e Jorjão transmite em seus dois versos iniciais a sensação do devoto. O “filho” de Jorge é confiante, lutador, guerreiro, vencedor. E o do orixá, idem. A história de São Jorge se mistura com a do carioca justamente na hora da dificuldade. É o guerreiro que ajuda seu afilhado a afastar a demanda. Como se não bastasse ser o santo mais querido do povo da cidade de Sebastião, São Jorge também é encarregado de proteger os prostíbulos, bares, clubes de futebol, apontadores de jogo do bicho e principalmente as quadras de escolas de samba. É neste último local que o santo atrai uma legião de devotos. Não à toa, já foi homenageado diretamente em duas ocasiões – Estácio de Sá 2016 e Império da Tijuca 2007 – e indiretamente por dezenas de vezes. O sambista carioca vê na figura dele um lado mais humano e próximo, sem deixar de ser sacro.
A equipe do site CARNAVALESCO conversou com o historiador Luiz Antonio Simas. a respeito do dia 23 de abril. Data em que se dedica a São Jorge. Seja nas comunidades religiosas, feijoadas e também nos terreiros, onde o santo se assemelha a Ogum. Segundo o escritor, a relação entre o santo e o povo fluminense vem desde a época de sua colonização, junto de Portugal e Dom João VI.
“A celebração chega junto com a colonização de Portugal, onde São Jorge é padroeiro. Quando a corte vem para o Brasil o culto cresce muito graças a devoção que Dom João VI tinha pelo santo. A popularização dele inicia a partir daí. Em seguida, pela forma como foi sincretizado ao orixá Ogum, que é extremamente popular pelos terreiros do Rio de Janeiro. Existem relatos de devoção a Ogum dos negros que lutaram ainda na guerra do Paraguai em 1864. Outro fator que conta muito é a longuíssima tradição de que São Jorge é o santo para as horas difíceis. Santo de quem está no perrengue, no sufoco, de quem corre atrás. Nas macumbas cariocas, ainda na década de 20 e início dos anos 30, a presença de Ogum era muito forte. O fator decisivo que une isso tudo é que São Jorge é profundamente cultuado numa religião muito carioca: a Umbanda”, explica.
Simas acrescenta que não é possível dissociar o santo das escolas de samba. Isso se deve pelo fato de Ogum ser uma das entidades mais populares que existem. E sua comida, a feijoada, estar presente em grande parte das comemorações em quadras.
“Quando a Umbanda surge em São Gonçalo e se espalha pelo Rio de Janeiro entre as décadas de 20 e 40, ainda não havia muita diferença entre o ambiente de samba e o da Umbanda. Tudo era muito misturado, o samba em si pertencia a um ambiente de macumba e religiosidade. São Jorge acaba sendo a figura de grande destaque, muito vinculado a religião carioca. A feijoada em homenagem ao santo vem do sincretismo. Especificamente no Brasil ela é alimento de Ogum nos terreiros, essa comida está presente nas oferendas que são feitas ao orixá e em alguns terreiros se inclui a cerveja. Essa mesma comida além de oferenda é alimento para as pessoas presentes. Assim, popularizou-se a feijoada. Nas religiosidades afro-brasileiras cariocas não há a separação entre sagrado e profano, elas se misturam o tempo inteiro nas macumbas. Isso é diferente nas tradições rígidas do cristianismo. Nesse aspecto a comida de santo acaba também virando comida de samba”
Inúmeras escolas de samba denominam São Jorge como seu padroeiro. Estácio de Sá, Beija-flor, Império da Tijuca e Império Serrano são algumas delas. Os motivos são diversos, e segundo Simas, não existe um denominador comum que defina o santo como responsável por escola x ou y, apenas as histórias que se entrelaçam ou algumas coincidências.
“O santo é padroeiro do jogo de bicho, protetor dos botequins, muito ligado as pessoas com dificuldades e é o santo dos bordeis. É muito comum ver uma imagem dele protegendo essa turma toda. Não tem um porquê exato para ele ser denominado padroeiro de determinada escola de samba. Pode ser devoção dos fundadores, coincidir com a data que a escola foi criada, santo padroeiro da bateria. Em geral é um padroeiro da comunidade. Por exemplo, o santo está vinculado a tradição dos estivadores, trabalhadores de porto. São Jorge está vinculado ao Império Serrano, que é fundado por estivadores. É um santo mais abrangente, o Rio é profundamente marcado pelo elemento negro em virtude da escravidão”, finalizou.